Semler é empresário, advogado e administrador de empresas, formado pela universidade
norte-americana de Harvard
“Agora tem gente fazendo passeata pela volta dos militares ao poder e uma elite
escandalizadacom os desvios na Petrobras. Santa hipocrisia”. A
observação é do empresário Ricardo Frank Semler, 55, tucano desde
a fundação do PSDB, chefe-executivo (CEO) e sócio majoritário da empresa Semco S/A, empresa
brasileira reconhecida, internacionalmente, pela reengenharia corporativa e a
implementação dos conceitos da democracia industrial que lhe valeram o destaque
ao redor do mundo. Sob sua gestão, os
rendimentos da indústria cresceram de US$ 4 milhões, em 1982, para US$ 212
milhões em 2003. Em artigo publicado na edição desta sexta-feira no diário
conservador paulistano Folha
de S. Paulo, no qual mantém uma coluna semanal, o empresário,
advogado e administrador de empresas formado pela universidade norte-americana
de Harvard não poupa críticas à sociedade brasileira.
Intitulado Nunca se roubou tão pouco, Semler inicia o texto com a
certeza que “não sendo petista, e sim tucano”, sente-se à vontade para constatar que “essa
onda de prisões de executivos é um passo histórico para este país”.
Leia, a seguir, a íntegra do artigo:
Nossa empresa deixou de vender equipamentos
para a Petrobras nos anos 70. Era impossível vender diretamente sem propina.
Tentamos de novo nos anos 80, 90 e até recentemente. Em 40 anos de persistentes
tentativas, nada feito.
Não há no mundo dos negócios quem não saiba
disso. Nem qualquer um dos 86 mil honrados funcionários que nada ganham com a
bandalheira da cúpula.
Os porcentuais caíram, foi só isso que mudou.
Até em Paris sabia-se dos “cochons des dix pour cent“,
os porquinhos que cobravam 10% por fora sobre a totalidade de importação de
barris de petróleo em décadas passadas.
Agora tem gente fazendo passeata pela volta
dos militares ao poder e uma elite escandalizada com os desvios na Petrobras.
Santa hipocrisia. Onde estavam os envergonhados do país nas décadas em que
houve evasão de R$ 1 trilhão – cem vezes mais do que o caso Petrobras – pelos
empresários?
Virou moda fugir disso tudo para Miami, mas é
justamente a turma de Miami que compra lá com dinheiro sonegado daqui. Que
fingimento é esse?
Vejo as pessoas vociferarem contra os
nordestinos que garantiram a vitória da presidente Dilma Rousseff. Garantir
renda para quem sempre foi preterido no desenvolvimento deveria ser motivo de
princípio e de orgulho para um bom brasileiro. Tanto faz o partido.
Não sendo petista, e sim tucano, com ficha
orgulhosamente assinada por Franco Montoro, Mário Covas, José Serra e FHC,
sinto-me à vontade para constatar que essa onda de prisões de executivos é um
passo histórico para este país.
É ingênuo quem acha que poderia ter acontecido
com qualquer presidente. Com bandalheiras vastamente maiores, nunca a Polícia
Federal teria tido autonomia para prender corruptos cujos tentáculos levam ao
próprio governo.
Votei pelo fim de um longo ciclo do PT, porque
Dilma e o partido dela enfiaram os pés pelas mãos em termos de postura, aceite
do sistema corrupto e políticas econômicas.
Mas Dilma agora lidera a todos nós, e preside
o país num momento de muito orgulho e esperança. Deixemos de ser hipócritas e
reconheçamos que estamos a andar à frente, e velozmente, neste quesito.
A coisa não para na Petrobras. Há dezenas de
outras estatais com esqueletos parecidos no armário. É raro ganhar uma
concessão ou construir uma estrada sem os tentáculos sórdidos das empresas
bandidas.
O que muitos não sabem é que é igualmente
difícil vender para muitas montadoras e incontáveis multinacionais sem antes
dar propina para o diretor de compras.
É lógico que a defesa desses executivos presos
vão entrar novamente com habeas corpus, vários deles serão soltos, mas o susto
e o passo à frente está dado. Daqui não se volta atrás como país.
A turma global que monitora a corrupção estima
que 0,8% do PIB brasileiro é roubado. Esse número já foi de 3,1%, e estimam ter
sido na casa de 5% há poucas décadas. O roubo está caindo, mas como a represa
da Cantareira, em São Paulo, está a desnudar o volume barrento.
Boa parte sempre foi gasta com os partidos que
se alugam por dinheiro vivo, e votos que são comprados
no Congresso há
décadas. E são os grandes partidos que os brasileiros reconduzem desde sempre.
Cada um de nós tem um dedão na lama. Afinal,
quem de nós não aceitou um pagamento sem recibo para médico, deu uma cervejinha
para um guarda ou passou escritura de casa por um valor menor?
Deixemos de cinismo. O antídoto contra esse
veneno sistêmico é homeopático. Deixemos instalar o processo de cura, que é do
país, e não de um partido.
O lodo desse veneno pode ser diluído, sim, com
muita determinação e serenidade, e sem arroubos de vergonha ou repugnância
cínicas. Não sejamos o volume morto, não permitamos que o barro triunfe
novamente. Ninguém precisa ser alertado, cada de nós sabe o que precisa fazer
em vez de resmungar.