No momento em que a formação de condutores está em pauta no Brasil como nunca esteve antes, sobretudo na questão estrutural e pedagógica, não se poderia contextualizar adequadamente este momento sem se (re)pensar a formação daqueles que vão ensinar os novos motoristas a dirigir. Ainda que a formação do condutor não dependa exclusivamente do instrutor de trânsito, é profundamente relevante o papel e a valorização deste profissional na sociedade.
É o instrutor de trânsito que vai apresentar o veículo ao candidato e ensinar a dirigir. É ele que vai ter de lidar com pessoas de mais diferentes perfis, características, faixas etárias, temperamentos, personalidades, reações e emoções. É o instrutor de trânsito que será o para-raio de tudo o que der errado no processo de habilitação, e apesar de todos os esforços e resultados, inclusive os que não dependem diretamente dele, serão debitados da “conta” do instrutor.
Ao mesmo tempo, sabemos que nem tudo é perfeito e que em qualquer área ou profissão, há aqueles que estão bem preparados (sem dispensar a preparação permanente), aqueles que nem tanto e aqueles que estão mal preparados em função de uma série de motivos. Baixos salários, carga de trabalho pesada, falta de estímulos, de motivação e até desencantamento com a profissão, o que não chega a ser novidade. Mas, o foco de tudo continua sendo a questão da formação de instrutores, tanto de veteranos quanto de novatos já formados ou que estão se preparando para ensinar a dirigir.
Já é hábito entre os alunos se referirem ao instrutor como professor, aquele que ensina, embora muitos instrutores não tenham formação específica na área da Educação. Vamos e convenhamos que 16 horas de teoria sobre Fundamentos da Educação e 20 horas de Didática é muito pouco para preparar um professor que vai ensinar a dirigir. Até porque, ensinar a dirigir não só é tornar o aluno capaz de colocar o veículo para andar em linha reta ou manter o foco só em como executar os comandos da máquina. Isso não é ensinar, é instruir, e são necessários mais do que 16 horas-aula para saber como se dá o processo de aquisição da aprendizagem ou 20 horas-aula para descobrir como ensinar significativamente.
Sobre a carga horária para formação na disciplina Legislação de Trânsito, em 32 horas não se consegue ler sequer o CTB inteiro, quem dirá preparar para conhecer os muitos detalhes, curiosidades e a interpretação adequada das leis de trânsito. Tudo bem que o processo de formação não se extingue aí, com o curso de formação de instrutor, e vai depender do interesse e da pesquisa para complementar essa formação. Mas, para exercer o ato de ensinar a dirigir, é ainda muito pouco.
Os conteúdos de primeiros Socorros e de Medicina de Tráfego são muito amplos para apenas 12 horas-aula, assim como 20 horas de Direção Defensiva (que passa pela reconceitualização para Direção Preventiva) e Noções de Respeito, Proteção ao Meio Ambiente e de Convívio Social no Trânsito.
E
a formação teórica em Psicologia do Trânsito, hein? O que se consegue fazer e
aprender em apenas 8 horas-aula em se tratando de uma Ciência tão complexa e
dinâmica e de que cujos conteúdos se necessita tanto saber e aprender?
Há pessoas se matriculando em curso de formação de instrutor que
nunca abriram o capô de um carro (isso existe), ao que remete ao questionamento
de uma carga horária de apenas 8 horas-aula para Noções sobre Funcionamento do
Veículo/Mecânica Básica.
Duas
disciplinas também consideradas chave na formação do instrutor são: prática de
Direção Veicular em Veículo de Duas e Quatro Rodas (24 horas-aula) e Prática de
Ensino Supervisionado (20 horas-aula), em que o futuro instrutor vai simular o
ensino da direção veicular ao professor/instrutor ou ao colega de curso.
A questão aqui nem é aumentar a carga horária, mas sim, a
adequação dos conteúdos, mas sim, a atualização a duas realidades: as novas
formas de se ensinar e aprender a dirigir e suas ferramentas para gestão
organizacional, administrativa e pedagógica dos CFC’s; e a realidade que
encontrada e enfrentada com dificuldades pelos novos profissionais em seus
primeiros empregos como instrutor: “nunca ensinei um aluno de verdade, e
agora?”
Das
duas uma: ou se apega aos instrutores mais experientes e acaba absorvendo os
ranços, os vícios e muitas vezes os descontentamentos de alguns para continuar
o adestramento, ou vai aprender a ensinar por tentativa e erros. Provavelmente,
muitos vão continuar ensinando para passar no exame prático, a insistir nas
velhas práticas de ensinar a encontrar o tal “ponto da tremidinha” para o
veículo se mover, vão se especializar em pontos de referência em diversas
partes do veículo para ele caber na vaga no dia da prova, a contar voltinhas no
volante em vez de mostrar ao aluno a importância de saber a resposta que o
carro dá aos movimentos mais refinados e lentos de volante.
Se
queremos mesmo, de verdade, melhorar a formação de condutores no Brasil, temos
de olhar com muito compromisso para a qualidade da formação dos instrutores.
Temos que chamar à responsabilidade cada um dos envolvidos no processo de
ensinar e aprender a dirigir em todas as suas pontas: Denatran, Câmaras
Temáticas, Contran, Detran, Centros de Formação de Condutores e de Instrutores,
todos os profissionais na ativa e inclusive os alunos!
É preciso mais humildade e menos corporativismo para que não se
continue “achando” que toda crítica é destrutiva ou que outros profissionais
que possam contribuir neste processo de atualização e melhoria (Pedagogos,
Psicólogos, Sociólogos, Peritos, Pesquisadores na área científica e outros) não
tenham autoridade ou competência para tanto.
Para
não continuarem “achando” que quem não tem carteirinha não pertence ao clube.
Até porque, a formação de instrutores e de condutores é feita por gente de
carteirinha e está como está: altos índices de reprovações e condutores
despreparados para dirigir sozinhos, sem autonomia, sem saber tomar decisões no
trânsito e se envolvendo cada vez mais em acidentes por imperícia. Alguém avise
ao rei que ele está nu.
Da
redação com, Portal do Trânsito