O impeachment é um processo que qualquer deputado pode pedir à Mesa da Câmara baseado em parecer jurídico? Sim. Porém, como o próprio Ives Gandra Martins reconheceu no parecer que fez sob encomenda de um dos diretores do Instituto FHC, publicado na Folha de S.Paulo e responsável por levar o tema novamente para o fogo alto, a conclusão é sempre muito mais política do que jurídica.
E é com essa perspectiva que todo um cenário favorável ao
pedido da derrubada de Dilma se articula através de um golpe travestido de
impeachment. É um golpe dado no tapetão. Se depois absolvido, como foi Collor,
daí paciência. O objetivo terá sido alcançado.
Como se cria esse cenário, quem é o principal estimulador e
proprietário do tapete? É complexo, mas o maior responsável é aquilo que se
chama “grande mídia”.
Uma pesquisa divulgada neste domingo, revelou o estrago que
a forma de informar praticada por esses oligopólios faz na cabeça do cidadão
comum.
Segundo a pesquisa, 81% dos entrevistados acredita que a
inflação irá subir. De onde vem essa percepção profética e catastrofista? Todo
mundo agora é versado em economia e futurologia? Não. Quem fomenta esse clima
de pessimismo é a grande mídia. A campanha alarmista da subida de taxas,
tarifas e impostos é intensa, porém nem sempre verdadeira e completa.
O IPTU não iria subir para todos em São Paulo (só para uma
minoria privilegiada ao passo que para outros haveria até redução) mas isso
nunca era informado nos telejornais. Criar pânico é uma forma de terrorismo
executado à perfeição por esses veículos. Vide os Datenas da vida e suas bem
sucedidas carreiras.
Martelar o tema corrupção exaustivamente associando-o
exclusivamente a um único partido e à estatal fazendo com que o problema seja
visto, ao lado da saúde, como o que mais preocupa os brasileiros e que quase a
metade (47%) das pessoas avaliem Dilma como “desonesta” sem haver ainda nenhuma
prova de que ela seja mentora ou mesmo beneficiária é resultado dessa
maquinação.
Não estou defendendo Dilma, o PT, ou alegando inocência
total no caso. Há fortes indícios de que os desvios se confirmem. Mas a
disparidade de tratamento é absurda e visivelmente manipuladora. A “formadora
de opinião do brasileiro médio” tem veiculado obsessivamente apenas o que
atinge a presidente. Nada se vê ou ouve acerca da Alstom, do cartel do metrô
paulista, da irresponsabilidade na Sabesp. Neste último exemplo, a massa foi levada
a acreditar que a culpa é da falta de chuvas.
Por tratar-se de um recurso natural e vital para a
sobrevivência, penso que a maneira como governo do estado de São Paulo e a
Sabesp trataram a questão da água deveria ser considerada crime contra a
humanidade. Isso é muito mais sério e de consequências muito mais graves do que
ficar noticiando que o dólar subiu, a bolsa de valores caiu, as ações X
desvalorizaram. Quem tem esses investimentos? Que implicação isso tem na vida
da imensa maioria? Nenhuma, só aduba o solo propiciamente ao que se quer
plantar.
Ainda segundo a pesquisa, 60% dos paulistas concordam com a
implantação do rodízio no abastecimento de água. Mas antes do povo acatar
bovinamente e se submeter a mais um sacrifício, foi informado qual o percentual
de água potável é destinada ao consumo direto e quanto é direcionada para o
agronegócio, a indústria e a mineração? Ou preparou-se um terreno de modo a não
causar uma revolta popular contra quem é do time da mídia?
Dirão que exagero, mas a chamada grande mídia exerce hoje
um papel idêntico àquele que a igreja católica teve durante o fascismo na
Italia. Deseja manter tudo como está de modo a ser a reconhecida como “religião
única” e ganhar seu “estado” em forma de concessões.
Ela sente-se ameaçada pela possibilidade de uma regulação
que irá minar sua força e por isso hoje articula a saída da atual governante.
Ninguém quer perder o que já tem e é isso que é explorado através dessa
prática. O povo sentir-se sob ameaça facilita que personagens como Mussolini se
sobressaiam e ganhem voz.
Será portanto abastecido desse tipo de
desinformação que muito provavelmente milhares de pessoas tomem as ruas no
próximo dia 15 de março para pedir o impeachment de Dilma Roussef. A dúvida que
fica é se querem entregar o posto a Michel Temer ou se nem pensaram sobre isso.
Mauro Donato - Jornalista, escritor e fotógrafo