A fixação de teto de pena nos casos de colaboração
premiada, embora em desconformidade com a Lei 12.850/13 (artigo 4º), foi
um movimento interessante dos primeiros negociadores para se evitar a incerteza
da aplicação da pena, capaz de garantir o êxito dos termos da delação realizada. Larga-se com o máximo da pena futura previamente
definida.
A compra de informações em troca da redução da pena, caso
dependesse de reduções previstas no artigo 4º da Lei 12.850/13, nos
patamares de até dois terços, redundaria na incerteza do quantum final.
Poderia o julgador aplicar uma pena base alta (CP, artigo 59), aumentar a
reprimenda na segunda fase e, assim, gerar insegurança sobre a pena total
final. A ideia foi a de promover uma leitura diferenciada do texto legal,
estabelecendo-se, desde o início do processo penal, a pena certa. Isso
significou que o colaborador pode avaliar com maior segurança o preço de sua
colaboração e, com a certeza da pena, facilitar a adoção de postura
cooperativa.
Do ponto de vista econômico, fez-se com que, com o preço
pré-negociado, o processo se transformasse em performático, já que o
colaborador se defende sem se defender, afinal de contas, tanto
acusação quanto defesa têm interesses convergentes: ambos querem a
condenação. Isso porque a condenação gera segurança para o acusador em face do
dever de cooperação, e, também, o acusado/cooperador reduz os riscos de uma
condenação maior. No fundo, é o plea bargaining com etiqueta
de condenação judicial. Retira-se a função do processo, que seria o acertamento
do caso penal, dado o pressuposto interesse de convergência condenatória. É uma
nova perspectiva do processo penal, que deixa de ser um "caminho necessário
para se chegar a uma pena ou não pena" (Princípio da Necessidade), e
passa a admitir pena sem processo. Mais do que isso, é um processo que já nasce
com a sentença condenatória definida a priori, antes da
"experiência probatória". Deixa de existir o tradicional confronto
entre acusação e defesa, para haver um alinhamento de objetivos.
No caso das delações da Odebrecht in limine, sem investigações
formalizadas, diretamente pelo Supremo Tribunal Federal, resta saber qual a
função dos futuros processos a se instaurar. De fato, teremos processos ou
meros jogos de cena em que todos querem a condenação?
Com as cláusulas previamente
negociadas e homologadas antes do processo, houve a transmutação do que se
pretende no processo penal. Trata-se de outro objeto, não mais vinculado
às teorias de processo que conhecemos e estudamos. Comprador e vendedor de
informações podem se garantir sobre os efeitos da sentença que serve de
condição à validade e aos efeitos do acordo de delação. Por um lado, reduz-se
os riscos de alterações futuras dos depoimentos do delator em processos
paralelos contra terceiros e protege o colaborador de uma pena inesperada.
No entanto, é interessante
como a delação/colaboração reduz o fator risco para acusação e defesa-delatora,
mas potencializa o risco para os delatados, corréus que agora terão uma
variável probatória da maior relevância: o "fogo-amigo" do delator.
Não seria exagero afirmar que existem dois processos diferentes (com finalidade
e objetivos distintos), tramitando de forma unificada, simultânea: um processo
do delator, e outro em relação aos delatados. Em relação ao primeiro, tudo já
está previamente definido, inclusive a condenação e a pena, reduzindo a
incerteza característica do processo ao mínimo (talvez o único risco
remanescente seja o de um eventual descumprimento do acordo); em relação ao
segundo grupo (delatados), a incerteza característica do processo é potencializada
pelos elementos que poderão surgir com a delação e, principalmente, com o real
valor probatório que será a ela atribuído. Ainda que teoricamente se diga que a
delação é um meio de prova, e não uma prova, na realidade do processo penal
atual, infelizmente a dimensão é outra: estão condenando com base na delação e
fazendo apenas uma "maquiagem" argumentativa para legitimar a
decisão com outros elementos.
Logo, buscar compreender os
novos desafios do processo penal no império da delação premiada precisa,
definitivamente, tirar o véu do que se faz, quem sabe abolindo-se com o
custo de um processo penal que não serve para comprovação da culpa, mas, sim,
de mero procedimento para condenação consensual, com o diferencial de que todos
querem o mesmo resultado. Inexiste processo. Ao final, com a condenação, enfim,
o acusado/delator respira aliviado, via trânsito em julgado.
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