Sabe-se que a segurança é direito fundamental de todos os
cidadãos (artigo 5º, caput da CF) e que a segurança pública
consubstancia a um só tempo dever do Estado e direito e responsabilidade de
todos (artigo 144 da CF).
Daí ter o constituinte originário outorgado aos órgãos policiais as tarefas de
prevenir (polícia administrativa) e reprimir (polícia judiciária) infrações
penais.
No desempenho de
suas funções, uma das principais atividades das forças de segurança é a
abordagem policial, também denominada de busca pessoal.
Consubstancia-se na inspeção do corpo do indivíduo e sua
esfera de custódia (vestimenta, pertence ou veículo não utilizado como
habitação), com a finalidade de evitar a prática de infrações penais ou
encontrar objeto de interesse à investigação.
Diferentemente da busca e apreensão domiciliar, a busca
pessoal independe de mandado judicial e pode ser realizada a qualquer tempo.
Deve ser feita em diferentes níveis conforme o grau de ameaça, seguindo o uso
proporcional da força (desincentivando o uso de expressões pejorativas como
dura e baculejo).
Em razão da
natureza de sua atividade (polícia administrativa) e da disponibilidade
numérica (maior efetivo dentre as forças policiais), os policiais militares são
os que mais fazem revistas diuturnamente nas vias públicas, na modalidade
preventiva.
A abordagem policial é concretizada por um ato
administrativo imperativo, autoexecutório e presumidamente legítimo. Traduz
materialização do poder de polícia estatal (discricionário, autoexecutório e
coercitivo) na limitação da liberdade ou propriedade em nome do interesse
público. Acarreta inegavelmente certo grau de constrangimento, que deve ser
suportado pelo cidadão em nome da pacífica convivência em sociedade.
Evidentemente isso
não significa que o policial possa agir com arbitrariedade. O poder de polícia
do Estado é marcado pela proporcionalidade. Nesse contexto, salta aos olhos a
importância da fiscalização. O controle é fundamental para dar legitimidade à
atuação do poder público (inclusive das polícias), garantindo a adequação das
condutas dos agentes públicos à franquia constitucional de liberdades.
Uma das principais formas de fiscalização é o chamado
controle externo popular, por meio da qual qualquer pessoa pode, na qualidade
de cidadão, questionar a legalidade de determinado ato e pugnar pela sua
validade. Assim se evita que o uso do poder se convole em abuso do poder, seja
por excesso de poder ou desvio de finalidade (artigo 2º da Lei 4.717/65).
Nesse sentido, a abordagem policial deve seguir o
propósito definido em lei (prevenção ou investigação), com uso da força
estritamente necessária (artigo 284 do CPP, artigo 2º da Lei 13.060/14 e artigo 3º do
Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei –
Resolução 34/169 da ONU).
Muitas vezes o cidadão (que por vezes é um repórter), ao
presenciar uma abordagem policial, resolve registrar a atuação fotografando ou
filmando (com câmera profissional ou um simples smartphone), como forma de
fiscalizar a ação estatal, especialmente quanto ao uso da força.
Ocorre que em algumas situações o policial militar, sentindo-se
incomodado com a fiscalização sobre o seu trabalho, arrecada o aparelho do indivíduo e o conduz
para a delegacia de polícia, seja pela alegada prática dos crimes de
desobediência e desacato, ou por supostamente ser uma testemunha obrigatória
dos fatos. Trata-se de atuação equivocada do miliciano.
O cidadão pode perfeitamente fiscalizar a ação dos agentes
públicos sem atrapalhar o desempenho da missão pública e sem alterar a cena do
crime. Registrar à distância a busca pessoal em nada prejudica a abordagem
policial. Evidentemente deve se identificar quando solicitado (artigo 68 da LCP), e eventual
divulgação do material deve ser desacompanhada de ofensas aos envolvidos ou
desacato aos policiais.
Quanto ao cidadão em geral, vale lembrar que o princípio
da legalidade (artigo 5º da CF)
preconiza que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de lei", e inexiste vedação legal para que uma
pessoa registre fatos em vias públicas. Importante destacar que o postulado da
legalidade surgiu com o Estado de Direito, opondo-se a toda e qualquer forma de
poder autoritário e antidemocrático, sendo previsto na própria Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão.
Caso o fiscalizador seja repórter, acrescente-se que a
liberdade de imprensa (artigo 220 da CF)é
importante direito fundamental que permite à população ter acesso amplo à
informação e a melhor controlar os atos do Estado. Cuida-se de patrimônio
imaterial, sendo irmã siamesa da democracia, devendo desfrutar de uma liberdade
de atuação extremamente ampla.
Logo, não pratica
qualquer delito aquele que registra fatos acobertados pela publicidade; o
miliciano que restringe a liberdade do cidadão indevidamente é que pode
incorrer em abuso de autoridade.
Além disso, o
indivíduo não necessariamente deve figurar como testemunha pelo simples fato de
ter registrado a abordagem policial. Isso só deve acontecer se inexistir outro
indivíduo que tenha presenciado os fatos. De toda sorte, a decisão sobre sua
oitiva e sobre a utilização do registro será tomada pelo delegado de polícia, e
não pelo policial militar, que é um agente da autoridade policial. E mesmo que
o cidadão seja chamado a narrar o acontecimento, inexiste motivo para apreensão
do equipamento quando cópia do vídeo ou imagem puder ser extraída
instantaneamente na delegacia. Essa observação ganha especial relevância quando
se tratar de jornalista, que tem na sua câmera um instrumento de trabalho.
Não custa pontuar que a regra de proibição de depor como
testemunha (artigo 207 do CPP) não se aplica a
jornalista, pois o segredo que deve ser mantido por esse profissional é o da
origem da informação (sigilo da fonte, ou seja, identidade do informante), e
não da informação em si. Entretanto, repita-se, só deve o repórter atuar como
testemunha em casos estritamente necessários e nunca como forma de intimidação
ou de cerceamento da profissão.
Portanto, o uso de câmeras não é proibido, pelo contrário,
deve ser estimulado tanto pela população, pelos jornalistas e pelos próprios
policiais, seguindo tendência mundial. Esse proceder melhora a atuação dos
agentes da lei e também dos próprios suspeitos, que se sentem desestimulados a
levar adiante reclamações improcedentes, como demonstra estudo. É dizer, a
filmagem não serve apenas para incriminar, mas também para demonstrar que a
atuação firme da polícia seguiu os parâmetros legais.
Da redação com, Conjur
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