Até onde
vai a imunidade parlamentar dos vereadores e quais suas implicações práticas e
efeitos ao colocar os parlamentares municipais em desvantagem em relação aos
princípios da igualdade e isonomia frente aos outros representantes dos entes
federativos.
RESUMO
A
imunidade parlamentar se apresenta como um conjunto de garantias para que os
parlamentares possam recair no livre exercício de sua função. Apesar de o art.29,
inciso VIII, da CF/88, garantir ao parlamentar municipal a imunidade material,
já que a imunidade formal, ou seja, garantia de foro privilegiado, está
condicionada ao que for disposto na Constituição Estadual, pois cabe ao Estado
Membro organizar sua Justiça e a competência dos tribunais (art. 125, CF/88),
essa imunidade se encontra restrita a circunscrição municipal do vereador. No
entanto, nós acreditamos que ao restringir a área de atuação dessa
prerrogativa, tem-se uma quebra no princípio da igualdade e isonomia nos
representantes dos entes federativos, sendo clara a diminuição da esfera de
atuação daqueles que representam os Municípios, além de uma não aplicação do
princípio da simetria. Portanto, nós acreditamos que os vereadores se encontram
numa situação desfavorável, quando estes devem sair de seus municípios para
atuar em defesa de suas funções em outros lugares e/ou outras casas
legislativas.
Palavras-chave:
Imunidade Parlamentar. Vereador. Limitação Territorial. Princípio da Igualdade.
Princípio da Isonomia. Desvantagem.
Sumário:
1. Introdução; 2. Imunidade Material; 3. O Princípio da Simetria; 4. Agravo de
Instrumento 631.276 São Paulo; 5. Consequências decorrente da limitação da
imunidade material dos vereadores; 6. Conclusão; 7. Referências Bibliográficas;
1
INTRODUÇÃO
A
presente pesquisa pretende analisar a imunidade material dos vereadores que,
conforme aduz o Art. 29, inciso VIII, sofre algumas limitações se comparada às
imunidades materiais dos demais parlamentares.
Essa
limitação gera para os vereadores uma desproporção infundada em relação aos
demais parlamentares, uma vez que qualquer demanda que exija presença política
fora da circunscrição do município, não será abarcada pela imunidade material.
Causando evidente ofensa ao princípio da simetria.
Deste
modo, faz-se necessário uma interpretação constitucional que priorize o aspecto
da equidade entre os representantes do povo, que possuem, mesmo com amplitudes
diferenciadas, atividades de natureza idêntica.
2
IMUNIDADE MATERIAL
Sem
dúvida, a principal função das imunidades parlamentares é a de estabelecer
independência ao poder legislativo em relação aos outros poderes e em relação à
sociedade, para que possa desenvolver de forma adequada suas atividades, sejam
elas típicas ou atípicas. Assim sendo, estando o poder legislativo mais
independente, o princípio democrático se torna mais forte.
Desta
forma, pode-se afirmar que as imunidades, tanto material quanto formal, visam
ao progresso do princípio da separação dos poderes, o que, por consequência,
fortalece o Estado Democrático de Direito.
As
imunidades não devem ser entendidas como privilégios, pois tem como objetivo
garantir o bom funcionamento do mandato, não possuindo caráter de privilégio
pessoal. Conforme essa visão, Celso de Mello no Inq. 1024:
“[...] a
garantia é inerente ao desempenho da função parlamentar, não traduzindo, por
isso mesmo, qualquer privilégio de ordem pessoal.”[1].
As
imunidades parlamentares podem ser divididas em dois tipos: imunidade formal e
imunidade material. Esta, conforme dispõem o art. 53 da constituição da
republica, pode ser definida como a subtração da responsabilidade civil e penal
dos Deputados e Senadores, tornando estes invioláveis por quaisquer de suas
opiniões, palavras e votos.
Mesmo não
estando explícito no Caput, a doutrina entende que essa imunidade também
contempla a inviolabilidade administrativa e política.
Algumas
características da imunidade material merecem ser destacadas:
Os
parlamentares podem fazer uso da prerrogativa da imunidade material em qualquer
lugar que profiram suas opiniões ou palavras. Deste modo, mesmo que seus
pronunciamentos sejam feitos fora do recinto parlamentar, estarão eles
protegidos pela imunidade material.
Para que
os parlamentares aleguem a imunidade como defesa, devem seus pronunciamentos
ter relação com a função política e com o mandato. Desse modo, deve haver nexo
causal entre o exercício do mandato e o pronunciamento realizado. Merece
destaque o fato de recentemente o STF ter considerando prescindível a relação
de causalidade entre as palavras proferidas e o exercício do mandato, desde que
os parlamentares estejam dentro do recinto parlamentar. Ou seja, demonstrar a
relação de causalidade é necessário apenas quando os parlamentares estiverem
fora de suas respectivas casas legislativos. Uma exceção são as mensagens
eletrônicas que ferem a honra de terceiros, haja vista que, mesmo proferidas do
gabinete parlamentar, devem apresentar relação com o exercício do mandato.
A
imunidade material tem caráter absoluto, tendo em vista que, mesmo após o fim
do mandato, as opiniões e palavras proferidas com relação ao mandado já
finalizado preservam-se imunes.
De
acordo com o STF, a imunidade material não se estende aos parlamentes que estão
na condição de candidato eleitoral e proferem palavras com função
exclusivamente eleitoreira, tendo em vista que isso acarretaria grande vantagem
perante os outros concorrentes.
Os
parlamentares não podem renunciar a imunidade material, uma vez que essa possui
caráter de ordem pública. Além disso, essa prerrogativa não pode ser estendia a
pessoas relacionadas às atividades parlamentes que não exerçam politicamente um
mandato.
Importante
também destacar a diferença entre a imunidade material, já explanada a cima, e
a imunidade formal. Não há necessidade, contudo, de se delongar sobre essa
última, uma vez que a intenção do artigo é discorrer sobre a imunidade
material, especialmente a dos vereadores.
De
maneira geral, a imunidade formal pode ser definida como a impossibilidade de os
parlamentares serem ou permanecerem presos, além da possibilidade de sustação
da ação penal após a diplomação.
Esse
tipo de imunidade abarca qualquer ato de privação da liberdade, englobando
também as prisões de natureza civil.
3 O
PRINCÍPIO DA SIMETRIA
Para a
validação da extensão das imunidades formais e materiais aos vereadores,
presume-se a utilização do Princípio da Simetria. No texto constitucional, nada
se versa especificamente acerca da imunidade para os legisladores municipais,
no entanto, por estar estabelecido aos parlamentares federais, tanto a
jurisprudência como a doutrina se utilizam do Princípio da Simetria para a
extensão inviolabilidade dos discursos para esses parlamentares, também aos
membros da casa legislativa no âmbito municipal.
Os
cultos Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, assim elucidaram
acerca do Princípio da Simetria, abordando um caso prático:
“O
princípio da simetria serve, sobretudo, de fundamento para que se declarem
inválidas leis estaduais que resultam de projeto apresentado sem observância do
sistema federal de reserva de iniciativa. São diversos os casos de declaração
de inconstitucionalidade de diplomas normativos locais por vício dessa ordem.
Se a Constituição do Estado não pode dispensar a observância das regras de
reserva de iniciativa dispostas no plano federal, com maior razão não será
válida a lei estadual que concretize o procedimento censurável.”[2]
Destarte,
quando a Carta Magna, em seu artigo 53, dita que “os Deputados e Senadores são
invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e
votos”, presume-se pelo Princípio da Simetria que os deputados estaduais e
vereadores também portam determinada inviolabilidade, dentro de suas
respectivas jurisdições.
Por esta
via, tem-se que as regras previstas nas leis orgânicas municipais não podem
contrariar a Constituição Estadual para tais situações, bem como a Constituição
Estadual deve respeitar e acatar o que está elaborado em nossa Constituição
Federal.
Em
síntese, podemos concluir que, dada a impossibilidade de a Constituição Federal
esclarecer minuciosamente sobre tudo o que os Estados e Municípios podem ou não
fazer, faz-se necessária a utilização do Princípio da Simetria, posto que este
pode preencher lacunas que tanto a jurisprudência como a doutrina já
consolidaram. No entanto, cabe salientar que não é um princípio extremamente
rígido, que não aceita controvérsias. Cabe ao poder judiciário, em cada caso
específico, julgar e aquilatar o potencial de utilização de tal mecanismo em
casos concretos.
4 AGRAVO
DE INSTRUMENTO 631.276 SÃO PAULO
O
Pretório Excelso, assim como vários dos Tribunais de Justiça dos Estados
Membros já decidiram e reafirmaram as causas, aplicações e extensões das
imunidades parlamentares em diversos casos. O agravo em análise serve para
ilustrar e reafirmar o disposto no art. 29, VIII, CF/88, e em casos
precedentes.
A
controvérsia em questão decorre de que o Vereador Ademir Souza da Silva teria
ofendido a honra de outrem, que se sentiu moralmente ofendido, durante sessão
ordinária, na tribuna da Câmara Municipal de Presidente Venceslau – SP, no dia
22 de Outubro de 2001. A controvérsia então se mostra como de maior relevo na
esfera político-constitucional, pois, aborda o alcance da imunidade parlamentar
material em relação ao plano da responsabilidade civil (e penal).
O STF
então decide com relatoria do Min. Celso de Mello negar o recurso ao agravo de
instrumento consagrando que:
“Tratando-se
de Vereador, a inviolabilidade constitucional que o ampara no exercício da
atividade legislativa estende-se às opiniões, palavras e votos por ele
proferidos, mesmo fora do recinto da própria Câmara Municipal, desde que nos
estritos limites territoriais do Município a que se acha funcionalmente
vinculado. (...)a análise dos elementos constantes destes autos permite-me
reconhecer que o comportamento do ora agravado – que era, então, à época dos
fatos, Vereador – subsume-se, inteiramente, ao âmbito de incidência da proteção
constitucional fundada na garantia da imunidade parlamentar material, em ordem
a excluir, na espécie, a responsabilidade civil do parlamentar municipal em
questão.” (AI 631.276/SP Rel. Min. Celso de Mello)
Vale-se
então o Supremo para assegurar tal decisão a utilização de várias decisões
precedentes, da análise da Constituição e das melhores doutrinas. Podemos então
buscar nas palavras de Michel Temer, que preceitua com efeito que:
“A
inviolabilidade diz respeito à emissão de opiniões, palavras e votos. Opiniões
e palavras que, ditas por qualquer pessoa, podem caracterizar atitude
delituosa, mas que assim não se configuram quando pronunciadas por parlamentar.
Sempre, porém, quando tal pronunciamento se der no exercício do mandato. Quer
dizer: o parlamentar, diante do Direito, pode agir como cidadão comum ou como
titular de mandato. Agindo na primeira qualidade não é coberto pela
inviolabilidade. A inviolabilidade está ligada à idéia de exercício de mandato.
Opiniões, palavras e votos proferidos sem nenhuma relação com o desempenho do
mandato representativo não são alcançados pela inviolabilidade.” (TEMER,
Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2º tiragem. 22º ed. 2008. Pag.
131)
Afirma-se
então com a análise da jurisprudência e doutrina vistas alhures, os limites,
causas, aplicações e alcances da imunidade dos vereadores.
5
CONSEQUÊNCIAS DECORRENTES DA LIMITAÇÃO DA IMUNIDADE MATERIAL DOS VEREADORES
Partindo
da compreensão da imunidade material (freedom of speech) como garantia
fundamental ao livre exercício da função parlamentar, bem como da independência
do parlamento, observamos, no que concerne à distribuição desta garantia entre
as diferentes searas federativas, que tanto os parlamentares federais, quantos
os estaduais e municipais compartilham de limitação funcional ao âmbito de
incidência dessa garantia. Destarte, apenas as palavras, opiniões e votos
exarados no exercício do mandato (in officio) ou em função dele (propter
officium) recebem a égide da mencionada imunidade. Nesse sentido, dispõe Gilmar
Mendes[3]:
“A
imunidade tem alcance limitado pela própria finalidade que a enseja. Cobra-se
que o ato, para ser tido como imune à censura penal e cível, tenha sido
praticado pelo congressista em conexão com o exercício do seu mandato. “
O art.
29, VIII, da CF/88, que estende a aplicação da imunidade material aos
parlamentares municipais impôs à estes, contudo, além da limitação funcional,
outra restrição, de caráter territorial, de forma que além de pertinentes ao
exercício do mandato, as palavras, opiniões e votos proferidos por vereadores devem
ser limitados à circunscrição do município para serem isentos de
responsabilidade penal, cível e/ou administrativa.
Prima
facie, não é possível constatar a razão de tal distinção feita entre vereadores
e seus pares estaduais e federais, haja vista que, no cotidiano do exercício
parlamentar podem surgir inúmeras situações em que é demandada a atuação do
edil fora dos limites municipais, seja para negociar situação regional junto a
parlamentares de municípios vizinhos, “dar entrevista sobre um escândalo a uma
rede de TV cuja sede está na Capital do Estado ou proferir discurso
reivindicando verbas do governo federal na Capital do país, ou, por outra,
criticando a política federal que desprestigie o Município"[4]. Em
qualquer dessas situações e em outras que demandem atuação do vereador fora de
sua circunscrição, é certo que este se encontrará em posição desfavorável e,
por conseguinte, terá sua capacidade de atuação mitigada.
Nesse
compasso, configura-se uma situação de inexplicável desnível entre os parlamentares
da esfera municipal frente aos demais, bem como uma quebra nos princípios da
igualdade e isonomia entre os representantes dos entes federativos, sendo clara
a diminuição da esfera de atuação daqueles que representam os Municípios, além
de uma ofensa ao princípio da simetria.
Em sábio
comentário acerca do tema, assevera o Prof. Dr. Martonio Mont'Alverne Barreto
Lima[5]:
“Do
ponto de vista objetivo, não se conhece elementos de pesquisa a autorizarem que
da extensão da imunidade parlamentar para Vereadores derivaria o desprestígio
destas imunidades. Na verdade, o que se tem é bem mais um cultural preconceito
contra as imunidades em geral, como se não representassem elas a garantia do
exercício parlamentar desde os mais remotos tempos em que o Poder Legislativo
ascendeu à condição de ator político significativamente representativo, por
albergar a presença de representantes de pobres e de outros setores
tradicionalmente dele excluídos.”
Portanto,
diante desse quadro, é patente a necessidade de que seja realizada uma
interpretação teleológica do dispositivo constitucional em análise, que
privilegie o espírito e a finalidade da norma, a despeito de sua interpretação
literal. Como leciona Hely Lopes Meirelles[6]:
“O
espírito do Constituinte Federal foi o de conceder plena liberdade ao Vereador
na manifestação de suas opiniões sobre os assuntos sujeitos à sua apreciação,
como agente político investido de mandato legislativo local. Dessa forma, ainda
que esteja fora do território de seu Município, mas no exercício de seu
mandato, como representante do Legislativo municipal, deve gozar dessa
prerrogativa ao manifestar sua opinião, palavra ou voto.“
6
CONCLUSÃO
A
limitação ao gozo da imunidade material por parte dos vereadores, decorrente de
uma interpretação literal do art. 29, VIII, da CF/88, que estabelece um
desnível infundado entre os parlamentares das diferentes searas federativas, em
que o edil é desfavorecido em relação aos demais parlamentares federais e
estaduais, sendo desguarnecido de sua inviolabilidade em quaisquer situações
que demandem sua atuação fora da circunscrição do município.
Em que
pese tal distinção não possuir sustentáculo em fundamentos jurídicos, mas tão
somente políticos e culturais, constitui patente ofensa ao princípio da
simetria, bem como aos princípios da igualdade e isonomia entre os
representantes do povo, decorrentes da própria organização federativa de
Estado.
Portanto,
se faz necessária a utilização de uma interpretação teleológica do dispositivo
constitucional supramencionado, que privilegie o critério funcional a despeito
do geográfico, mas que acima disto, estabeleça uma relação de equidade entre os
representantes do povo que, apesar de atuarem em searas diferentes, possuem
atividades que, em essência, são de natureza idêntica.
Postado
originalmente no Jus.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário