01 dezembro 2017

Meghan vai ganhar para ser princesa? O custo da realeza

A conta é complicada, mas a parte que banca William, Kate e Harry vem de propriedades particulares do príncipe Charles

Quanto custa dar uma vida de rainha a uma rainha? E quanto vai custar para manter a futura mulher do príncipe Harry, Meghan Markle?
São contas separadas e complicadas, além de estritamente vigiadas. A complicação vem de custos sigilosos, como o da segurança, e dos arranjos feitos para as particularidades únicas da monarquia britânica.
Em que outro lugar existiria na segunda década do terceiro milênio algo como o trem real? Como berço da primeira máquina a vapor, um aperfeiçoamento do escocês James Watt, o Reino Unido tem também um trem usado só por três pessoas: Elizabeth II; o marido dela, Philip, e o filho e herdeiro, Charles.
Sai caro, mas a rainha, que tem hábitos pessoais frugais, o adora. A era dos cortes orçamentários já levou, em 1997, outro meio de transporte de estimação, o iate Britannia. Com 91 anos e todo tipo de recorde de longevidade de reinado e até de casamento, Elizabeth conseguiu uma sobrevida para o trem.
Uma única e curta viagem nele feita pelo príncipe Philip custou 46 083 libras (todos as quantias são multiplicadas por 4,3 para ter o equivalente em reais). O dado foi ressaltado pelo Guardian, o mais conhecido jornal britânico de esquerda e, como tal, antimonarquista.
Devido ao enorme respeito nacional pela figura da rainha, o jornal controla os impulsos críticos. Mas não dá folga, como é desejável nas democracias. É dele a informação de que a rainha terá um “aumento” de verbas públicas ao longo dos próximos dez anos.
Com isso, receberá até 82 milhões de libras para bancar os custos diretos da monarquia. O aumento foi aprovado levando em consideração gastos considerados obrigatórios, como os 370 milhões de libras destinados a obras de reforma e modernização do Palácio de Buckingham, que ainda tem banheiros com fossa.
EM FAMÍLIA Mas de quem é o palácio, da rainha ou da nação? As duas coisas  – esta é outra das complicações.
O palácio, como muitas outros monumentos nacionais, é de propriedade da Coroa e administrado por uma entidade independente. Uma porcentagem da receita obtida com palácios, parques, propriedades rurais e urbanas, incluindo imóveis em lugares valorizadíssimos de Londres, num total estonteante de 12 bilhões de libras, vai para a verba real, chamada em inglês de Sovereign Fund.
Esta participação era de 15% e passará para 25% — daí o aumento. As propriedades da Coroa foram passadas para o Estado em 1760 por George III, o rei que perdeu o juízo e a América.
Além das verbas públicas, a realeza também gasta dinheiro do próprio bolso, por assim dizer. O dinheiro vem de duas grandes holdings familiares, os ducados reais, recebidos em herança pessoal.
A rainha tem o ducado de Lancaster, ou Lancastre, a dinastia real mais conhecida atualmente por ter inspirado os Lannister de Game of Thrones. O primeiro monarca a ser duque de Lancaster, título herdado via casamento do pai, foi Henrique IV (1367-1413).
As encrencas genealógicas, dinásticas, militares e políticas da época aparecem na tetralogia histórica de Shakespeare com os nomes dos últimos reis da linhagem, encerrada com Ricardo III, o rei corcunda que reinou apenas dois anos antes de ser morto na batalha de Bosworth (“Consciência é  uma palavra usada pelos covardes para incutir medo aos fortes”, diz na peça o inspirador de Tyrion Lannister, o anão de Game of Thrones).
BOLSO DO SOGRO Como filho mais velho, o príncipe Charles herdou o ducado da Cornualha, outra espécie de holding produtiva e lucrativa, incluindo uma grande propriedade rural no sul da Inglaterra onde o futuro rei implantou a agricultura sustentável. Último faturamento anual: 22,5 milhões de libras.
É esse dinheiro que sustenta os filhos, William e Harry, que não trabalham mais, exceto como membros da realeza “em tempo integral”.
Cada vez que Kate aparece com um vestido novo, também é do bolso do sogro que sai a despesa, apesar das queixas de que reclamam de mais uma facada nos contribuintes.
Segundo o cálculo mais recentes, o último total anual com os filhos, a nora e os dois netos foi de 3,2 milhões de libras. Charles também deve assumir os gastos de Meghan Markle, a noiva de Harry.
No papel, Meghan vai ter uma redução de renda. Segundo um site especializado, ela ganhava 50 mil dólares por episódio da série Suits, além de patrocínios. Como vai ser uma Alteza Real, provavelmente com título de duquesa, não poderá faturar com a posto nem ganhar roupas e mimos em geral, como fazem outros membros da família.
É claro que vai desfrutar de uma vida única, começando a vida de casada no “chalé” do Palácio de Kensington onde Harry mora.
Esta é uma recompensa intangível ou impossível de calcular. Da mesma forma que os benefícios, em termos de imagem, ou branding ou soft power, no caso de países, que a realeza traz.
Sem contar o papel mais direto que seus membros desempenham para promover negócios. Num balé diplomático perfeitamente calibrado, em grandes contratos, especialmente em países que são ex-colônias e continuam deslumbrados com a realeza, uma visita coroada pode ser a cláusula não escrita.
Quando uma notícia boa, geradora de sentimentos positivos, como o casamento de Harry e Meghan, a mídia espontânea assume proporções avassaladoras. Provavelmente só na Coreia do Norte não saiu uma foto do casal apaixonado.
A um custo total calculado em mais de 340 milhões de libras por ano, não sai barato. Muitos primos da rainha ainda desfrutam de benesses que, no futuro, serão limitadas ao rei e seus filhos e cônjuges.
Os integrantes da família real, como é seu dever fundamental, se reproduzem. William e Kate, criticados como folgados em suas funções oficiais — visitar, inaugurar, promover, cumprimentar e, nos últimos anos, posar para selfies —, estão a caminho do terceiro.
Meghan e Harry certamente vão correr atrás. Quem vai resistir a dar a foto do futuro bebê, neto de Diana e de uma instrutora de ioga americana negra, um símbolo poderoso da evolução da raça humana?

Postado originalmente no Veja.Abril

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