O direito de liberdade de expressão é um direito fundamental, que se mostra como corolário da dignidade da pessoa humana, representando, de outra parte, fundamento necessário à sobrevivência do Estado
A
LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO ELEMENTO INTEGRATIVO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
E FUNDAMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ESTADO
O
direito de falar e de calar, quando se pensa em liberdade de expressão (art.
5º, IV da Constituição Federal) não deve ser dado a ninguém, muito menos ao
Estado.
A par
disso tudo, a restrição ao direito de se expressar livremente representa um
exercício de violência, por parte de quem promove a censura, seja o Estado ou o
próximo, na medida em que viola a abrangência totalizante da dignidade da
pessoa humana, visto que a liberdade propugna pela auto-realização da pessoa
humana (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 359).
Se de
um lado existe o Poder Público, com todos os instrumentos institucionais aptos
a conter a expressão do livre pensamento; e de outra ponta, a abstração
constitucionalmente consagrada no texto constitucional, é necessário a prática
democrática constante e efetiva, por todos os canais historicamente e
tecnologicamente construídos, de modo a concretizar essa abstração praticamente
inacessível a uma definição instantânea em um momento de necessidade inusitado.
O
projeto democrático inacabado, fundado em um liberalismo de superfície, que
resultou no lamentável mal entendido de nossa democracia, que nos fala Sérgio
Buarque de Holanda (1995, passim),
é o cerne em que se insere tal discussão, apesar de desbordar, e muito, dos
limites desse artigo.
Assim,
a Constituição Federal é, em última análise, uma lei. A mais importante delas.
Ao menos é possível tê-la em mente como tal. A par dessas considerações, quer
se apontar que com a implantação do Estado Constitucional Democrático de
Direito, todas as normas constitucionais passaram a ser dotadas de supremacia
jurídica, providas, que são, de eficácia jurídica; notadamente, as normas definidoras
de direito, dotadas de aplicação imediata, como se pode depreender do artigo
5º, § 1º da Constituição Federal[1].
Dessa
forma, a Constituição Federal, ao dedilhar-se suas páginas ou examinar-lhe os
artigos[2], vê-se um conjunto de temas que foram lá inseridos de modo a se
poder concluir, sem sombra de dúvida tratar-se, a liberdade de expressão, de um
direito fundamental.
Portanto,
ao se considerar a Constituição Federal como lei, a mesma como espécie do
gênero norma jurídica é dotada de imperatividade. E, tal constatação faz
concluir que o comando que emana da Constituição Federal corresponde a uma
prescrição e que o seu descumprimento, por consequência, implica no acionamento
de um mecanismo de coação.
Tal
acepção é apresentada por Luís Roberto Barroso (p. 76, 2006) nos seguintes
termos:
As
normas constitucionais, como espécies do gênero normas jurídicas, conservam os
atributos essenciais destas, dentre os quais a imperatividade. De regra, como
qualquer outra norma, elas contêm um mandamento, uma prescrição, uma ordem, com
força jurídica e não apenas moral. Logo, a sua inobservância há de deflagrar um
mecanismo próprio de coação, de cumprimento forçado, apto a garantir-lhe a
imperatividade, inclusive pelo estabelecimento das conseqüências de insubmissão
ao seu comando.
De
outra parte, o Estado representa, na acepção de mundo contemporâneo vivenciada
pela humanidade, a organização fundamental em que o homem se situa,
possibilitando sua inserção social.
A
origem do Estado está adstrita à natureza social do homem. Desse modo, a partir
do elemento associativo do gênero humano, o mesmo se agrupa em várias
organizações sociais. Por sua vez, essas organizações sociais se originam a
partir das afinidades entre os vários grupos humanos, exemplificativamente, nas
áreas cultural, econômica, religiosa, esportiva e política.
E,
justamente, a partir desses núcleos populacionais, tem-se o surgimento da
figura do Estado, representando como a mais importante organização social.
Tal
importância é evidenciada por Darcy Azambuja (AZAMBUJA, 2011, p. 20), o qual
pondera que:
Com
exceção da família, a que, pelo nascimento, o homem forçosamente pertence, mas
de cuja tutela se liberta com a sua maioridade, em todas as outras sociedades
ele ingressa voluntariamente e delas se retira quando quer, sem que ninguém
possa obrigá-lo a permanecer. Da tutela do Estado o homem não se emancipa
jamais. O Estado o envolve na teia de laços inflexíveis, que começam antes de
seu nascimento, com a proteção dos direitos do nascituro, e se prolongam até
depois da morte, na execução de suas últimas vontades. No mundo moderno, o
Estado é a mais formidável das organizações.
Desse
modo, a conformação do Estado que temos vivenciado em nossa era, projeto
evolutivo do chamado Estado Moderno; trata-se de um tipo de sociedade política
que teve origem nos séculos XVI e XVII. Sua gênese ocorre com a centralização
do poder.
Já o
Estado liberal está adstrito ao liberalismo político e econômico, a partir dos
séculos XVIII e XIX, notadamente no modelo estatal inglês, momento em que a
ordem jurídica se volta para a proteção dos referidos direitos naturais do indivíduo.
Assim,
o Estado apresenta-se como aparato fundamental que possibilita vida do homem
social e mecanismo de justificação e promoção dos direitos humanos. Portanto,
impensável o modelo de sociedade atual, sem a presença do Estado.
Dentro
desse contexto, a liberdade de expressão é um direitocontemporâneo ao surgimento do referido Estado
Liberal, como parte de um projeto político libertário que emerge da
Independência Americana e da Revolução Francesa, integrante do plexo dos
direitos correspondentes aos direitos civis e políticos, tem como objetivo a
inserção do indivíduo perante o Estado, a partir de sua afirmação, por meio de
suas ideias.
O
Estado deve garantir o exercício desse direito, portanto[3].
O
indivíduo, nessa concepção de mundo, da qual pretendemos aderir, como
demonstramos em nosso texto constitucional, é um sujeito ativo. Ele participa.
Ele delineia os caminhos políticos a serem seguidos pelo Estado. O indivíduo
apresenta, nessa perspectiva um status de
participação.
A
sujeição do indivíduo ao Estado ocorre, excepcionalmente, em um outro contexto
e momento. Talvez, por exemplo, a sujeição do indivíduo às forças de segurança
pública quando há crime de dano ao patrimônio público e particular, porque há a
delimitação constitucional (legal) para tanto[4].
O
compromisso com tal estado de coisas está lastreado na busca de uma nação com
mentalidade de vanguarda, em que há espaço para todo o tipo de ideias. As
ideias ruins e boas são criteriosamente selecionadas a partir do debate
público[5]. Somente as melhores ideias sobrevivem, após serem seguidamente
testadas, por meio de múltiplas visões de mundo, a partir de argumentações cada
vez mais refinadas.
Tal
ambiente de discussão somente é possível na ausência total de censura, sob a
vigilância do Estado quanto à mínima violação de tal direito; e se dá por meio
de opiniões que possam soar rudes, de mau gosto, idiotas ou ofender o senso
comum[6].
Não há
outra via possível, que não o debate livre de ideias, e daí, também a
salvaguarda ao acesso à ampla informação de qualidade[7].
Portanto,
da importância da liberdade de expressão depende a sobrevivência do Estado,
porque gabarita o seu povo ao debate mundial, a partir da excelência de sua
argumentação, o que somente pode ocorrer no livre câmbio de ideias.
CONCLUSÃO
Tem-se,
desse modo, que a liberdade de expressão constitui-se em um direito
fundamental.
É
necessária ao desenvolvimento da autonomia de cada pessoa, razão pela qual
expressa o etos da
dignidade da pessoa humana.
A
salvaguarda e a promoção da liberdade de expressão, portanto, é uma das razões
pelas quais deverá se fundamentar o Estado em sua acepção ontológica, sob pena
de se desvirtuar em sua finalidade última e principal, na salvaguarda da pessoa
humana em sua totalidade.
De
outra parte, a sobrevivência do Estado está adstrita ao desenvolvimento
intelectual de seu povo, que depende diretamente do livre câmbio de ideias.
E
mais, a qualidade dessas ideias é diretamente proporcional à maior liberdade de
expressão possível, de modo a que o arejamento das várias visões de mundo possa
redundar em padrões de comportamento mais sofisticados, na medida em que as
coerência do colorido dos argumentos são testados na contra-argumentação da
livre arena das ideias.
NOTAS
[1]
Art. 5º. [...] § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata
[2]
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...] IV – é livre a manifestação do
pensamento, sendo vedado o anonimato; [...] V - é livre a expressão da
atividade intelectual, científica e de comunicação, independentemente de
censura ou licença; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e
a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação; [...] XLI – a lei punirá qualquer
discriminação atentatória dos direitos e liberdade fundamentais;
Art.
220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob
qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado
o disposto nesta Constituição.
§ 1º -
Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade
de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado
o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º -
É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
§ 3º -
Compete à lei federal:
I -
regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar
sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e
horários em que sua apresentação se mostre inadequada;
II -
estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade
de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que
contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas
e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
§ 4º -
A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos
e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do
parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os
malefícios decorrentes de seu uso.
§ 5º -
Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto
de monopólio ou oligopólio.
§ 6º -
A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de
autoridade
[3]ADPF
130, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 30/04/2009,
DJe-208 DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009 EMENT VOL-02381-01 PP-00001 RTJ
VOL-00213- PP-00020.
[4]
Assim, tais direitos visam à garantia de um espaço de liberdade por parte dos
cidadãos a partir de uma limitação do poder estatal. Tais direitos são,
portanto, direitos subjetivos tanto
para se evitar a interferência indevida (função preventiva), quanto para
eliminar agressões que esteja sofrendo no plano da autonomia priva ( função
corretiva). FERNANDES. Bernardo
Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed.
Salvador: Juspodivm, 2012,
p. 322.
[5] As
condições como esse debate irá ocorrer e a temática do auditório universal e da
razão comunicativa não é esquecida, mas pertence a outro contexto, onde nos
preocupamos com a igualdade de condições. Aliás essa discussão também é
apresentada por Ronald Dworkin de forma enfática, ao propugnar que: “Podemos
dar as costas à igualdade? Nenhum governo é legítimo a menos que demonstre
igual consideração pelo destino de todos os cidadãos sobre os quais afirme seu
domínio e aos quais reivindique fidelidade. A consideração igualitária é a
virtude soberana da comunidade política – sem ela o governo não passa de
tirania – e, quanto as riquezas de nações muito prósperas, então sua igual
consideração é suspeita, pois a distribuição das riquezas é produto de uma
ordem jurídica: a riqueza do cidadão depende muito das leis promulgadas em sua
comunidade – não só as leis que governam a propriedade, o roubo, os contratos e
os delitos, mas suas leis de previdência social, fiscais, de direitos
políticos, de regulamentação ambiental e de praticamente tudo o mais”.
(DWORKIN, 2005, p. IX.).
[6]Liberdades fundamentais e “Marcha da Maconha” - 1
Por entender que o exercício dos direitos fundamentais de reunião e de livre manifestação do pensamento devem ser garantidos a todas as pessoas, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação de descumprimento de preceito fundamental para dar, ao art. 287 do CP, com efeito vinculante, interpretação conforme a Constituição, de forma a excluir qualquer exegese que possa ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos. Preliminarmente, rejeitou-se pleito suscitado pela Presidência da República e pela Advocacia-Geral da União no sentido do não-conhecimento da ação, visto que, conforme sustentado, a via eleita não seria adequada para se deliberar sobre a interpretação conforme. Alegava-se, no ponto, que a linha tênue entre o tipo penal e a liberdade de expressão só seria verificável no caso concreto. Aduziu-se que se trataria de argüição autônoma, cujos pressupostos de admissibilidade estariam presentes. Salientou-se a observância, na espécie, do princípio da subsidiariedade. Ocorre que a regra penal em comento teria caráter pré-constitucional e, portanto, não poderia constituir objeto de controle abstrato mediante ações diretas, de acordo com a jurisprudência da Corte. Assim, não haveria outro modo eficaz de se sanar a lesividade argüida, senão pelo meio adotado. Enfatizou-se a multiplicidade de interpretações às quais a norma penal em questão estaria submetida, consubstanciadas em decisões a permitir e a não pemitir a denominada “Marcha da Maconha” por todo o país. Ressaltou-se existirem graves conseqüências resultantes da censura à liberdade de expressão e de reunião, realizada por agentes estatais em cumprimento de ordens emanadas do Judiciário. Frisou-se que, diante do quadro de incertezas hermenêuticas em torno da aludida norma, a revelar efetiva e relevante controvérsia constitucional, os cidadãos estariam preocupados em externar, de modo livre e responsável, as convicções que desejariam transmitir à coletividade por meio da pacífica utilização dos espaços públicos.
ADPF 187/DF, rel. Min. Celso de Mello, 15.6.2011. (ADPF-187)
Por entender que o exercício dos direitos fundamentais de reunião e de livre manifestação do pensamento devem ser garantidos a todas as pessoas, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação de descumprimento de preceito fundamental para dar, ao art. 287 do CP, com efeito vinculante, interpretação conforme a Constituição, de forma a excluir qualquer exegese que possa ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos. Preliminarmente, rejeitou-se pleito suscitado pela Presidência da República e pela Advocacia-Geral da União no sentido do não-conhecimento da ação, visto que, conforme sustentado, a via eleita não seria adequada para se deliberar sobre a interpretação conforme. Alegava-se, no ponto, que a linha tênue entre o tipo penal e a liberdade de expressão só seria verificável no caso concreto. Aduziu-se que se trataria de argüição autônoma, cujos pressupostos de admissibilidade estariam presentes. Salientou-se a observância, na espécie, do princípio da subsidiariedade. Ocorre que a regra penal em comento teria caráter pré-constitucional e, portanto, não poderia constituir objeto de controle abstrato mediante ações diretas, de acordo com a jurisprudência da Corte. Assim, não haveria outro modo eficaz de se sanar a lesividade argüida, senão pelo meio adotado. Enfatizou-se a multiplicidade de interpretações às quais a norma penal em questão estaria submetida, consubstanciadas em decisões a permitir e a não pemitir a denominada “Marcha da Maconha” por todo o país. Ressaltou-se existirem graves conseqüências resultantes da censura à liberdade de expressão e de reunião, realizada por agentes estatais em cumprimento de ordens emanadas do Judiciário. Frisou-se que, diante do quadro de incertezas hermenêuticas em torno da aludida norma, a revelar efetiva e relevante controvérsia constitucional, os cidadãos estariam preocupados em externar, de modo livre e responsável, as convicções que desejariam transmitir à coletividade por meio da pacífica utilização dos espaços públicos.
ADPF 187/DF, rel. Min. Celso de Mello, 15.6.2011. (ADPF-187)
[7] A plenitude de formação da
personalidade depende de que se disponha de meios para conhecer a realidade e
as suas interpretações, e isso como pressuposto mesmo para que se possa
participar de debates e para que se tomem decisões relevantes. O argumento
humanista, assim, acentua a liberdade de expressão como corolário da dignidade
da pessoa humana. (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO,
Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 360.
Imagem ilustrativa do Tomando Partido
(editada emnossa redação)
Nenhum comentário:
Postar um comentário