Veja quais as estatais foram
privatizadas no período de 1990 a 2016:
Com a chegada do governo
Temer, entra em discussão novamente um dos pontos mais polêmicos sobre a gestão
do Estado brasileiro: as privatizações de empresas e outros ativos estatais.
Essa prática tem sido adotada sistematicamente há mais de duas décadas, desde
que Fernando Collor chegou ao poder. O debate em torno das privatizações revela
duas visões bastante diferentes sobre o papel do Estado na economia. Vamos
entender um pouco melhor essa discussão.
Entre os anos 1930 e os anos 1980, o Brasil
experimentou um longo período de industrialização de sua economia. Essa industrialização foi induzida em grande
parte pelo papel ativo do Estado na formação dessa economia industrial. Foi
assim que o governo de Getúlio Vargas criou empresas públicas muito
importantes, como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN, criada em 1940), a
Companhia Vale do Rio Doce (1942) e mais tarde a Petrobras (1953). Por décadas,
praticamente todos os setores-chave da economia eram controlados pelo Estado. O
setor bancário brasileiro também tem expressiva participação do Estado, com a
Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. Esse modelo foi inclusive
reforçado durante a ditadura militar, que criou centenas de novas estatais que
atuavam não apenas em setores estratégicos, mas também em setores menores,
como hotelaria e até supermercados.
Essa tendência de deixar sob o controle do Estado uma
grande e importante parte da atividade econômica do país passou a ser invertida
a partir dos anos 1990, quando o liberalismo econômico ganhou uma nova roupagem,
batizada de neoliberalismo. Essa
doutrina econômica prega sobretudo a não intervenção do Estado na economia,
exceto em setores absolutamente essenciais para o bem público. Assim, a lógica
seria o Estado abandonar ou abdicar de sua participação em qualquer área que
não seja segurança, educação, saúde e assistência social. Colaborou para que
essas ideias ganhassem força o completo fracasso econômico vivido pelo país na
década de 1980, com hiperinflação, dívida externa crescente
e estagnação econômica.
Foi o governo Collor o
primeiro a promover o programa de privatizações do Estado brasileiro. Batizado
de Programa Nacional de Desestatização, o plano de Collor previa a privatização
de 68 empresas públicas brasileiras. Entretanto, apenas 18 delas realmente
chegaram a passar para o setor privado ao longo de seu governo. O destaque foi
para a privatização de boa parte das empresas siderúrgicas, aquelas que
fabricam aços e ferros fundidos. A Usiminas foi uma das empresas privatizadas,
o que gerou polêmica, já que se tratava de umas empresas públicas mais
lucrativas do país na época. O maior beneficiário da privatização de
siderúrgicas foi o grupo Gerdau.
Com o impeachment de Collor,
veio o governo Itamar, que deu sequência menos acelerada ao programa de
privatizações, com destaque para a Companhia Siderúrgica Nacional e a Embraer,
empresa de aviação.
Mas foi durante o
governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) que o programa de
privatizações ganhou mais força. FHC criou o Conselho Nacional de
Desestatização e acelerou bastante o processo de privatização de empresas
públicas no país. As privatizações de maior destaque foram: Vale do Rio Doce
(empresa de mineração que hoje chama-se apenas Vale), o
sistema Telebras (incluindo a Embratel e 27 empresas de telefonia, e a Eletropaulo,
estatal de energia elétrica do estado de São Paulo.
E não parou por aí:
vários outros setores foram desestatizados. A Embratel foi vendida nessa
época; vários bancos estaduais também passaram para mãos privadas;
boa parte do setor de energia também foi leiloado para grupos privados (a
distribuidora carioca Light, por exemplo).
Além das
privatizações, FHC criou as agências reguladoras, que passaram a cuidar das
regulações das atividades de diversos setores estratégicos do país. A Anatel,
por exemplo, é quem regula os serviços de telecomunicações no Brasil.
Foi também durante o
governo FHC que houve mais manifestações públicas contra o processo de
privatização em curso. As críticas surgiam tanto pelas privatizações em si, que
segundo alguns não deveriam jamais ter ocorrido, quanto pelas condições em que
foram conduzidas pelo governo, consideradas extremamente prejudiciais. Até hoje
se ouve que a Vale do Rio Doce foi vendida “a preço de banana”. O valor de US$
3,3 bilhões desembolsado por um consórcio privado seria muito inferior ao seu
valor de mercado na época. Outra crítica levantada contra as privatizações no
governo FHC foi a permissão do uso das chamadas “moedas podres” no processo de
compra das estatais, além da atuação do BNDES, banco público que financiou
boa parte das compras.
Com a chegada de Lula ao poder, em 2003, muito se
suspeitou que o programa de privatizações seria paralisado, ou ao menos
freado. Mas isso não se confirmou: houve continuidade, apenas com uma
ênfase diferente do seu antecessor, FHC. Enquanto FHC vendeu estatais,
Lula se focou em fazer concessões à iniciativa privada.
A diferença fundamental entre os dois processos é que as privatizações têm um
caráter definitivo: empresas privatizadas são leiloadas, vendidas e nunca
mais voltarão ao controle do Estado. As concessões, por sua
vez, se caracterizam pela transferência temporária da execução de certas
atividades do Estado para a iniciativa privada, sem passar a titularidade
desses ativos para os grupos privados.
O governo Lula
priorizou um programa de concessões de rodovias e hidrelétricas, além
de privatizar os bancos estaduais do Ceará e do Maranhão. O modelo também deu
preferência às empresas que fizessem as menores propostas de tarifas nas
licitações, de forma que os usuários das rodovias ou consumidores dos serviços
das hidrelétricas sentissem menos no bolso as concessões realizadas. Esse
modelo, porém, é criticado.
O governo Dilma deu
continuidade ao modelo implementado por Lula, estendendo as concessões para
outros setores importantes, como os aeroportos. Mas a situação que mais chamou
atenção no primeiro governo Dilma foi o leilão do Campo de Libra,
realizado em 2013. Libra é o primeiro campo de exploração do petróleo do
pré-sal brasileiro. Nesse leilão, quatro empresas petrolíferas estrangeiras
formaram um consórcio com a Petrobras, dividindo entre si o direito de explorar
esses recursos. A presidente Dilma, na época, afirmou que o regime de partilha
adotado para o campo de Libra não representa uma privatização, já que cerca de
85% da renda produzida pelo campo ficará nas mãos da União e da Petrobras.
Antes de ser afastada, Dilma ainda anunciou um
novo programa de concessões cujo
valor chegaria a R$ 198 bilhões e que inclui rodovias, portos, aeroportos e
ferrovias. Grande parte desse programa, porém, ainda não saiu do papel.
Vale a pena privatizar
O governo de Michel Temer já sinalizou que deve dar continuidade ao programa de concessões levado adiante pelos governos petistas. O chamado Programa de Parcerias de Investimento (PPI) tem como objetivos destravar o programa de concessões, removendo o que chama de “entraves burocráticos e excessos de interferência do Estado”. Em seu primeiro discurso como presidente interino, Temer afirmou que o Estado deve se unir à iniciativa privada e se ater às áreas onde ele considera essencial a presença estatal (educação, saúde e segurança). Além disso, há acusações de que o governo realmente tentará privatizar empresas estatais.
Com isso, a discussão
é revivida: privatizar realmente rende bons resultados para o país? Ou o Estado
deveria manter controle sobre áreas estratégicas da economia (serviços de água,
luz, petróleo, mineração, entre outros)? Veja a seguir os principais
argumentos dos dois lados: os que defendem mais privatizações e os que defendem
o fim desse processo e até mesmo a reestatização de várias empresas
Sim, privatizar é positivo e necessário
Segundo os defensores
da privatização, geralmente pessoas de pensamento liberal na economia, essa prática é
necessária para que o Estado brasileiro consiga sanar suas contas e
otimize sua atuação, focando-se em áreas em que realmente sua presença é
importante. A necessidade de privatizar boa parte do patrimônio público advém
do reconhecimento de que o Estado não é capaz de gerir tudo – muito pelo
contrário, é bastante ineficiente em gerir a maior parte de seus recursos, seja
pela falta de incentivos que valorizam o mérito, seja pelas muitas ingerências
políticas nas atividades dessas empresas.
A iniciativa privada,
por sua vez, seria muito mais eficiente na gestão das empresas e dos recursos.
Isso se comprova, segundo os defensores das privatizações, pelos bons
resultados obtidos em privatizações feitas nas últimas décadas: o serviço
de telefonia teve um salto de qualidade após a privatização da
Telebras e a entrada de investidores privados no mercado; a energia elétrica
foi universalizada nos últimos anos, após várias privatizações; várias empresas
privatizadas que antes eram deficitárias passaram a registrar
lucros (casos da Vale e da CSN); e muitas ex-empresas públicas geram em
impostos mais receita à União do que quando estavam sob controle do Estado
brasileiro.
Por fim, os favoráveis
às privatizações afirmam que as estatais são fonte de corrupção e têm seu
desempenho prejudicado por negociatas políticas:
Não privatizar é um bom caminho
A privatização do Estado brasileiro é vista com maus olhos porque seriam impostas pelos Estados Unidos e instituições financeiras internacionais como o FMI e o Banco Mundial, todos orientados ideologicamente a favor do neoliberalismo e da economia de mercado. O pressuposto fundamental que sustenta a ideia de privatizações é que o mercado é mais eficiente do que o Estado na gestão de seus recursos. Isso é negado por grupos contrários às privatizações, como os desenvolvimentistas.
A privatização do Estado brasileiro é vista com maus olhos porque seriam impostas pelos Estados Unidos e instituições financeiras internacionais como o FMI e o Banco Mundial, todos orientados ideologicamente a favor do neoliberalismo e da economia de mercado. O pressuposto fundamental que sustenta a ideia de privatizações é que o mercado é mais eficiente do que o Estado na gestão de seus recursos. Isso é negado por grupos contrários às privatizações, como os desenvolvimentistas.
Além de considerar um
mito a ideia de que a iniciativa privada é mais eficiente do que o Estado e que
por isso deveria herdar a maior parte do patrimônio público brasileiro, os
críticos das privatizações apontam que as privatizações feitas na década de 90
foram mal conduzidas, significando na prática uma “doação” de empresas públicas
a grupos privados – normalmente grupos “amigos” dos governantes que conduzem as
privatizações, acusa-se – gerando contrapartidas muito baixas para o
Estado brasileiro. As privatizações de FHC renderam algo em torno de R$78
bilhões, enquanto entre 1994 e 1998 a dívida pública brasileira cresceu de
US$60 bi para US$245 bi. Muitas das vendas também foram subsidiadas com
dinheiro público, em forma de financiamentos do BNDES, prática também muito
criticada. Existem, por fim, acusações graves de corrupção envolvendo os
processos de privatização.
A defesa feita contra
as privatizações é que o Estado não pode abdicar da participação em setores da
economia que são de interesse público fundamental, sob o risco de privar a
população carente de receber recursos básicos, como água, energia elétrica,
entre outros.
Fontes: O Globo – Câmara – Estado de S. Paulo –
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