O crime de concussão está
descrito no artigo 316 do Código Penal e consiste em um agente público exigir
vantagem indevida, para si ou para outrem (outra pessoa), de forma direta ou
indireta, mesmo fora da função pública ou até antes de assumi-la, mas desde que
o faça em razão da função.
Esse delito está previsto na
parte inicial do artigo 316, conhecida como caput (significa “cabeça”, em
latim), que contém a norma central de cada artigo nas leis. O mesmo artigo
descreve outro crime semelhante, denominado “excesso de exação”, em seu § 1.º
[O simbolo § lê-se como “parágrafo”. Para saber mais sobre a estrutura das
normas jurídicas, veja o texto Artigos, parágrafos, incisos e alíneas: como se
elaboram as leis, aqui no blog.]
A pena fixada no Código
Penal para esse crime, no Brasil, é de dois a oito anos de reclusão, mais
multa.
O Código Penal define-o como
crime contra a administração pública. Esta é a “vítima” desse delito, pois o
agente público que o comete fere os princípios éticos e jurídicos que devem
orientar toda ação do poder público. A concussão afeta também a liberdade
individual da pessoa contra a qual é feita a exigência indevida pelo
funcionário público e geralmente atinge o patrimônio dela, mas esses aspectos
são considerados secundários pelo Código Penal, apesar de relevantes.
Quem pode praticar concussão
(sujeito ativo do crime)
Concussão é crime de
funcionário público, pois o Código Penal brasileiro o inseriu no capítulo que
trata dos crimes contra a administração pública praticados por funcionário
público. Só agente público pode praticá-lo. É o que se chama crime próprio,
pois só uma categoria específica de pessoas pode cometê-lo.
O artigo 327 do Código Penal
define quem é considerado funcionário público, para aplicação das leis
criminais. O conceito é amplo e abrange:
a) qualquer pessoa que,
mesmo de forma transitória (temporária) ou sem remuneração, ocupe cargo ou
emprego público ou exerça função pública;
b) pessoas que atuem em
entidade paraestatal (autarquias, sociedades de economia mista, empresas
públicas, fundações públicas) ou que trabalhem para empresa prestadora de
serviço contratada ou conveniada para execução de atividade pública.
Pode ocorrer de o agente
público se associar a outros ou a um particular para fazer a exigência
indevida. Nesse caso, todos responderão pelo delito, na medida de sua
culpabilidade.
Elementos do crime
No crime de concussão, os
elementos da conduta são os seguintes: a) exigência de vantagem indevida; b) destinação
da vantagem indevida para o funcionário público ou para terceira pessoa; c)
imposição da exigência indevida sobre a vontade da pessoa de quem é exigida.
A exigência indevida deve
ter relação com a função pública. Se um agente público fizer exigência
indevida, mesmo que por meio de violência ou ameaça, mas sem relação com a
função pública, poderá cometer outra espécie de crime, como o próprio crime de
ameaça ou constrangimento ilegal, extorsão ou roubo, por exemplo, conforme o
caso.
O agente da concussão
somente pode praticar o crime devido à função pública, mas não precisa estar no
efetivo exercício dela. Pode estar em férias ou em licença, por exemplo.
É a exigência, a imposição,
feita pelo agente público à vítima que caracteriza a concussão. A exigência
deve ser capaz de gerar algum temor ou receio na vítima e, desse modo, dobra a
vontade desta. Não é preciso que o agente público cause mal concreto à vítima,
basta que faça a exigência indevida e imponha sua vontade.
A exigência pode ser feita de
forma direta, ou seja, pelo próprio agente público e de maneira explícita,
aberta, ou indireta, isto é, por terceira pessoa ou de maneira implícita,
dissimulada.
É preciso que o agente
efetivamente exija a vantagem, não basta que a peça, que a solicite. Quando
servidor público apenas pede vantagem ilícita devido à sua função, isso
caracteriza outro crime, o de corrupção passiva, previsto no artigo 317 do
Código Penal.
Se a vantagem for oferecida
por alguém ao agente público, não haverá crime de concussão, mas corrupção
ativa, de acordo com o artigo 333 do Código Penal.
Se a vantagem não for
destinada ao próprio servidor público ou a pessoa indicada por ele, mas para o
próprio órgão ou ente público, também não ocorrerá concussão, mas outro crime,
denominado excesso de exação, previsto no artigo 316, § 1.º, do Código Penal,
como se disse.
A vantagem exigida pelo
agente público precisa ser indevida, isto é, injusta, ilegal. Pode ser presente
ou futura, ou seja, o agente pode pedir algo para receber imediatamente ou em
outro momento.
A concussão tem natureza de
crime formal. Isso significa que o crime se consuma apenas pela conduta da
pessoa, independentemente de produzir resultado. Portanto, não é preciso que o
agente público obtenha a vantagem ilícita que exigiu, pois, com a simples
exigência dela, já terá cometido o delito. Se o autor da concussão vier de fato
a receber a vantagem indevida, isso é o que se chama de exaurimento do crime,
no Direito Penal, mas não é indispensável para consumação da concussão.
A vantagem indevida pode ser
de qualquer espécie, não só de caráter econômico (patrimonial). O Código Penal
não faz essa exigência para caracterização do crime, ao contrário do que ocorre
em relação com os chamados crimes contra o patrimônio, como o roubo, o furto e
o estelionato, entre outros.
Não ocorre concussão se o
agente público, em vez de exigir a vantagem, propõe ao particular (pessoa
física ou jurídica) a realização de negócio ilegal, para que ambos tenham
vantagem. Essa é uma das situações em que o agente público e o particular,
ambos desonestos, se associam para subtrair dinheiro ou outra vantagem da
administração pública e com isso enriquecerem.
Nesses casos, como não houve
exigência (imposição) por parte do agente público, mas uma negociata entre ele
e o particular, não haverá concussão, mas poderá haver outros crimes, como o de
peculato (apropriação ou desvio de bens públicos), fraude a licitação,
corrupção etc., a depender das circunstâncias.
Excesso de exação
Excesso de exação é uma forma
especial de concussão, prevista no § 1.º do artigo 316 do Código Penal.
Significa excesso de cobrança ao contribuinte de valores de um tributo
qualquer.
Ocorre excesso de exação
quando o funcionário público:
a) exige tributo que sabe ou
deveria saber que é indevido;
b) ou, mesmo quando o
tributo seja devido, utiliza na cobrança meio vexatório (constrangedor,
humilhante, vergonhoso) ou gravoso (excessivo), que a lei não autoriza.
A pena para essa conduta é
de reclusão, de três a oito anos, mais multa.
Diferencia o excesso de
exação da concussão o fato de que a vantagem exigida pelo agente público não é
destinada a si mesmo, mas ao órgão ou ente público. Além disso, a exigência
deve referir-se à cobrança de tributo.
O § 2.º do mesmo artigo 316
define ainda uma forma mais grave do crime de excesso de exação. Ela ocorre
quando o funcionário público desvia, em proveito próprio ou de outra pessoa, o
que recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos. Nesse caso, a pena
é de dois a doze anos de reclusão, mais multa.
Aumento de pena
O § 2.º do artigo 327 do
Código Penal estabelece que são aumentadas de um terço as penas dos crimes
contra a administração pública praticados por ocupantes de cargos em comissão
ou exercentes de função de direção ou assessoramento dos órgãos e entidades
públicos.
Justifica-se o aumento pelo
fato de que essas pessoas têm maior grau de responsabilidade e são remuneradas
a mais por isso. Se praticam crime, o grau de reprovação de sua conduta
(reprovabilidade) é maior, motivo pelo qual merecem punição mais severa.
Concussão na administração
tributária
A Lei 8.137, de 27 de
dezembro de 1990, que define crimes contra a ordem tributária, previu forma
específica de concussão para agentes públicos que trabalhem em órgãos ligados à
administração tributária.
Seu artigo 3.º, inciso II,
define como crime as seguintes condutas: “exigir, solicitar ou receber, para si
ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de
iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar
promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou
contribuição social, ou cobrá-los parcialmente”.
A pena, nesses casos, é de
reclusão, de três a oito anos, e multa – mais elevada do que a concussão do Código
Penal, portanto.
Qualquer das condutas
mencionadas nesse artigo (exigir, solicitar ou receber) caracteriza o crime. A
equivalente à concussão do artigo 316 do Código Penal é a de exigir vantagem
indevida.
Como se trata de norma
especial para servidores públicos da administração tributária, é ela que se
aplica à concussão quando praticada por eles, devido ao chamado princípio da
especialidade.
Ato de improbidade
Em geral, os crimes contra a
administração pública praticados por funcionário público também são punidos
como atos de improbidade administrativa, por uma lei especial, a Lei 8.429, de
2 de junho de 1992, conhecida como Lei da Improbidade Administrativa.
Ato de improbidade,
legalmente, não é crime, mas outra espécie de ato ilícito. Para entender mais
sobre as semelhanças e diferenças, veja o texto Crimes e atos de improbidade,
no blog.
Ação penal
Os crimes contra a
administração pública geram ação penal de iniciativa pública (também chamada de
ação penal pública), ou seja, que cabe ao Ministério Público. Para saber mais,
veja o texto Ação penal pública e privada, aqui no blog.
A investigação, em geral,
cabe à polícia, por meio de inquérito. Em alguns casos, o ato de concussão dá
origem a sindicância ou processo administrativo disciplinar, e todas as
circunstâncias são esclarecidas dessa forma pelo próprio órgão ou ente público.
Nessa situação, o Ministério Público pode promover a ação penal diretamente,
sem necessidade de inquérito.
Se a concussão for praticada
por funcionário público federal, a apuração competirá à Polícia Federal, e o
processo, ao Ministério Público Federal. A ação será julgada pela Justiça
Federal. Se o autor for funcionário público estadual ou municipal, a apuração
será feita pela Polícia Civil; o processo criminal será ajuizado pelo
Ministério Público estadual e julgado pela Justiça Estadual.
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