16 novembro 2018

ESPECIAL - O Nepotismo à luz do Princípio da Moralidade Administrativa

O presente estudo tem por escopo analisar de maneira didática e coesa a influência do Princípio da Moralidade em casos de nepotismo.
Imagem meramente ilustrativa
INTRODUÇÃO
Enquanto componente da administração pública, cuja principal finalidade deve ser zelar pelo bem comum da sociedade, os agentes administrativos, em seus atos, devem se certificar da observância de certos padrões éticos e princípios a serem seguidos para que tal finalidade seja alcançada. Uma conduta praticada por agente público que não esteja de acordo com os princípios que regem a administração torna o ato administrativo ilegítimo. Para uma boa administração não basta o acatamento às leis, é também necessário que as ações dos agentes reflitam os ideais de honestidade previstos pelo princípio da moralidade administrativa.
Ainda assim, o que se verifica no âmbito administrativo são casos em total descompasso com os princípios, como é o caso das práticas de nepotismo, que muitas vezes se utilizando de lacunas deixadas pela legislação, se passam por atos legítimos. O presente estudo tem por escopo analisar de maneira didática e coesa a influência do Princípio da Moralidade em casos de nepotismo.

MATERIAL E MÉTODOS
O método utilizado para a elaboração deste trabalho foi a revisão bibliográfica com base em leituras de alguns sites selecionados da internet que discorriam sobre o tema abordado.

DESENVOLVIMENTO        
Na concepção de Hely Lopes Meirelles:
Administrar é gerir interesses, segundo a lei, a moral e a finalidade dos bens entregues à guarda e conservação alheias. Se os bens e interesses geridos são individuais, realiza administração particular; se são da coletividade, realiza-se administração pública. Administração pública, portanto, é a gestão de bens e interesses qualificados da comunidade no âmbito federal, estadual ou municipal, segundo os preceitos do Direito e da Moral, visando ao bem comum (MEIRELLES, 2010, p. 85).

Ante o exposto, extrai-se que o objetivo da administração pública é zelar pelos interesses coletivos da sociedade, de acordo com as leis e os princípios que regem a administração, sempre visando ao bem comum, e não o particular. Deste modo, se os atos do administrador são contrários ao interesse público, e logo, à finalidade estabelecida pela administração pública, utilizando-se de seus interesses pessoais, por exemplo, está caracterizado o abuso de poder, em sua espécie de desvio de finalidade.
A Administração Pública, por determinação do ordenamento jurídico brasileiro, tem como dever inarredável a subordinação aos princípios constitucionais. São os princípios que erigem o sistema administrativo, sendo necessários para uma boa administração. Como já pacificado por grandes doutrinadores, o desrespeito a um princípio é uma ofensa maior do que a violação a uma norma, pois assim se atinge todo um sistema de normas. Nas palavras de Carvalho Filho, os princípios administrativos constitucionais “revelam as diretrizes fundamentais da Administração, de modo que só se poderá considerar válida a conduta administrativa se estiver compatível com eles” (CARVALHO FILHO, 2012, p. 19).
São os princípios administrativos que ditam as regras da administração, sendo indispensável a observância destes para que os atos realizados no âmbito administrativo não sejam inválidos. Tais princípios se encontram elencados no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988, que dispõe que a administração pública “(...) obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”. Os referidos princípios da moralidade e da legalidade configuram maior relevância para o presente estudo.

Com relação ao Princípio da Legalidade, a atuação da administração pública está restrita ao que a lei permite, de modo que praticar atos fora dos ditames da lei implica em ilicitude, como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio em questão “representa a consagração da ideia de que a Administração Pública só pode ser exercida conforme a lei, (...) devendo restringir-se à expedição de comandos que assegurem a execução da lei” (MELLO, 2009, p. 527).

De acordo com Hely Lopes Meirelles, “o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto” (MEIRELLES, 2010, p. 20), de modo que o agente administrativo deva guardar em seus atos concordância com o Princípio da Moralidade, se fazendo necessário o seu acatamento de tal forma que, ao exercer suas funções, pratique não apenas o legal, mas também condutas honestas. Nota-se, então, que este princípio está extremamente ligado aos ideais de honestidade, sendo imprescindível a presença da boa-fé nos atos administrativos, como bem-dispõe Alexandrino e Paulo, “o princípio da moralidade torna jurídica a exigência de atuação ética dos agentes da administração pública” (ALEXANDRINO, PAULO, 2013, p.190).

Quanto ao princípio da moralidade administrativa, surge uma divergência de pensamentos sobre sua autonomia. É de entendimento de alguns autores que o princípio em pauta estaria inserido no princípio da legalidade. No entanto, como já expresso pelo próprio texto constitucional, e supramencionado, em seu artigo 37, caput, o princípio da moralidade tem sua autonomia confirmada no ordenamento jurídico nacional, sendo indispensável seu acatamento para que os atos administrativos sejam considerados válidos. Juarez Freitas dispõe sobre a autonomia do princípio da moralidade:
No tangente ao princípio da moralidade, por mais que tentem assimila-lo a outras diretrizes e conquanto experimentando pronunciada afinidade com todos os demais princípios, certo é que o constituinte brasileiro, com todas as imensas e profundíssimas consequências técnicas e hermenêuticas que daí advêm, pretendeu conferir autonomia jurídica ao princípio da moralidade, o qual veda condutas eticamente inaceitáveis e transgressoras do senso moral da sociedade, a ponto de não comportarem condescendência (FREITAS, 1997, p. 67-68).
Partindo da premissa de que a moralidade administrativa, dotada de autonomia, torna-se necessária para frustrar atos que venham a ferir a finalidade da administração pública, é oportuno abordar a problemática do nepotismo. Considerado ato de improbidade administrativa por violar princípios administrativos, o nepotismo é um mau hábito administrativo, praticado por autoridade pública que nomeia um parente para cargo sem este ter sido aprovado em concurso público. É uma ação que fere diretamente a moralidade administrativa, pois o ato praticado é motivado por vínculos familiares, com ausência da boa-fé administrativa, interesses particulares que vão contra o interesse público, restando comprovado o desvio de finalidade do ato.
Em uma tentativa de coibir a prática do nepotismo, o Supremo Tribunal Federal criou a súmula vinculante nº 13, fortalecendo a ideia de imoralidade de tal ato ao prever que:
A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta, em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal (BRASIL, 2008).
Ao analisar o conteúdo da súmula, no entanto, verifica-se que o texto não possui alcance amplo, como quando faz menção expressa somente aos parentes colaterais até terceiro grau, possibilitando a nomeação de primos; ou ainda quando não proíbe a nomeação de familiares de agentes políticos.
A não inclusão de certas figuras na súmula nº 13 torna possível que, supostamente, se pratique o nepotismo legalmente. Entretanto, apesar da suposta legitimidade dos atos não coibidos pela súmula, é mister compreender que há ofensa aos princípios administrativos, em especial ao da moralidade, partindo do entendimento de que tais atos são praticados com fim diverso ao da administração pública, uma vez que motivados por interesse próprio.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
São diversos os casos de nepotismo que podem ocorrer no âmbito da administração pública estando mascarados de suposta legitimidade, já que a súmula vinculante nº 13, criada com intuito de coibir a prática, não contempla expressamente todas as possibilidades.
No entanto, é cabível interpretar que a intenção do Supremo Tribunal Federal ao formular o conteúdo da súmula, não era esgotar todas as possíveis formas de nepotismo na administração, isto é, partindo do pressuposto de que é de interesse do tribunal superior impedir práticas que ferem o interesse público. Sendo assim, é aceitável entender que o exposto na súmula não impede que outras possibilidades de configuração de nepotismo sejam proibidas, levando em consideração que tal ato atenta contra os princípios de caráter constitucional que a administração obedece. Como esclarece Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa (DI PIETRO, 2012, p.71).
Não estar defeso em lei não significa necessariamente estar de acordo com os padrões éticos de probidade e boa-fé. Logo, levando em consideração a autonomia do princípio moral em relação ao da legalidade, o nepotismo é ato que ofende a moralidade administrativa, ainda que munido de legalidade. Do mesmo pensamento partilha Marçal Justen Filho: “a ausência de disciplina legal não autoriza o administrador ou o particular a uma conduta ofensiva à ética e à moral. Moralidade soma-se a legalidade. Assim, uma conduta compatível com a lei, mas imoral será inválida” (JUSTEN FILHO, 2014, p. 87).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante todo o exposto, é certo concluir que o princípio da moralidade é contrariado sempre que uma autoridade pública age motivada por interesse próprio em vez do interesse direcionado ao bem comum.  Como resta claro, o nepotismo é caracterizado pelo favorecimento pessoal de parentes por autoridades públicas, lesando, em especial, o princípio da moralidade devido à falta de decoro e honestidade nas ações do agente. Princípio este que as autoridades devem resguardar em seus atos, utilizando-se da boa-fé administrativa em suas condutas.
Por conseguinte, a carência de atitudes éticas nos casos de nepotismo, apesar de não se opor ao princípio da legalidade, aflige a moralidade administrativa, que em razão de ser dotada de autonomia expressa pela Constituição Federal, dentro da administração pública possui capacidade de tornar tais atos ilícitos.

Fonte: Tauã Lima Verdan Rangel, Beatriz Bezerra Pessoa, Carla Faria Caetano e Gabriella Lima Berlando


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