Se para os grandes veículos de comunicação é um desafio permanente fazer um bom jornalismo e manter o equilíbrio econômico-financeiro diante do impacto das transformações tecnológicas que afetam os processos de produção e difusão da notícia, para os jornais locais esse desafio é ainda maior.
Última edição do jornl de Jahu |
Não conheço as causas que levaram à decisão de encerramento das
atividades do jornal Comércio do Jahu — uma notícia avassaladora —, mas é
preciso lançar um olhar sobre alguns aspectos para compreender o panorama atual
e o papel da imprensa, que não é o de oferecer tão somente um produto de
consumo diário, mas uma prestação de serviço aos cidadãos, imprescindível numa
sociedade democrática.
Os ventos neoliberais que sopram de novo sobre o país chegam, na
verdade, como o bafio de uma velha política que se transveste de nova — trazem
promessas enganosas com o ímpeto reformista que, na prática, passa por cima de
direitos e destrói o arcabouço constitucional de nosso incipiente estado de
bem-estar social.
A hegemonia da ideologia capitalista não admite contestação, uma vez que
transforma a capacidade humana de duvidar em simples falta de convicção — e a
quem falta convicção ou adesão voluntária e acrítica está vedada a entrada no
paraíso das promessas (nem sempre ou quase nunca atingíveis) de consumo.
Esgarçam-se nesse processo as relações de solidariedade de classe e de
cooperação em favor da ferocidade do individualismo exacerbado.
É preciso dizer que na esteira da desmedida produção capitalista em sua
lógica de rentabilidade a curto prazo está posta a financeirização das
economias, do capital que reproduz a si mesmo, sem fronteiras ou barreiras,
impondo sua temporalidade, que é a do mercado, e atravessando o próprio Estado.
O Estado cede sua capacidade de gerir, de fomentar a economia e garantir
direitos e serviços básicos, como educação, saúde, transportes, aposentadoria
etc., tornados mercadorias. A exemplo do canto da sereia da reforma
previdenciária que entrega a seguridade social ao mercado, sob a justificativa
deficitária das contas (tornadas sigilosas pelo governo) e um iminente colapso
do sistema.
Não é conveniente aos arautos reformistas revelar, no entanto, que os
juros e amortizações da dívida pública consomem mais de 42% do orçamento da
União, conforme dados de 2018, enquanto a Previdência Social ficou em 22,69%,
sendo que desse montante a Desvinculação da Receita da União (DRU) permitiu
remanejar verbas para outras áreas, inclusive pagamento dos juros.
Uma dívida que o governo contrai em forma de empréstimo por meio do
Banco Central para “enxugamento” dos recursos que os bancos (coitados!) não
põem no mercado, que não financiam as atividades econômicas devido às altas
taxas de juros que inviabilizam as (não tão livres) iniciativas privadas. Ao
contrário do que se pensa, esses “empréstimos” não se transformam em
investimentos, não aquecem a economia nem geram empregos, tampouco voltam
reinvestidos em serviços públicos de qualidade.
E a quem está se perguntando qual a relação que esses aspectos têm com o
papel da imprensa ou com a questão do Comércio do Jahu, basta juntar os pontos
para se ter ideia do contexto de transformações, dificuldades, pressões e
cerceamentos a que todos estamos submetidos.
Se o capitalismo, em suas formas de reprodução e dominação, atravessa
Estados, por que não nos atravessaria? É o próprio campo onde agimos e somos
“regidos” (em menor ou maior grau) por suas demandas e temporalidade.
Uma temporalidade marcada pela aceleração contemporânea e que se põe em
conflito com a temporalidade política das democracias, confiscados o “espaço da
experiência” e o “horizonte de expectativas”, passado e futuro dos indivíduos.
E isso impossibilita a construção de uma memória representável, o que é um
risco para as sociedades e para o próprio exercício democrático.
A imprensa não escapa da razão mercadológica e dessas contradições, mas
não deixa de ser a arena onde os embates sociais se dão. De sua pluralidade de
vozes depende a liberdade democrática, especialmente nesse momento de
disseminação de “verdades alternativas”, de mesquinhez intelectual, de
maniqueísmos e popularismo vulgar. É preciso encontrar novos caminhos e modelos
de negócios, com reflexão e profundidade, diante de tantos desafios.
De qualquer forma, abre-se uma lacuna com o encerramento das atividades
do Comércio do Jahu, que deixa de reportar a história imediata, mas não de ser
o repositório dos últimos 110 anos de história de nossa cidade.
Postado originalmente no Observatório da Imprensa
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