Desde que o Intercept começou a publicar a
série de reportagensdemonstrando conduta irregular da força-tarefa da Lava Jato e do então juiz – agora ministro – Sergio Moro, os defensores da operação vêm adotando uma postura de criminalização do jornalismo, tendo o próprio ministro se referido ao Intercept como "site aliado a hackers criminosos". Essa tentativa de nos colar a criminosos foi denunciada por diversos grupos de defesa da liberdade de imprensa – como o
Comitê para a Proteção dos Jornalistas,
Repórteres sem Fronteiras e a
Abraji –, que emitiram comunicados condenando a estratégia de Moro e das autoridades brasileiras de usar intimidação e ameaças para impedir a realização de nosso trabalho jornalístico.
Hoje, nós decidimos publicar na nossa newsletter alguns trechos inéditos do arquivo da #VazaJato para mostrar como, antes de serem alvos de vazamentos, os procuradores da força-tarefa enfatizavam – em chats privados com seus colegas – que jornalistas têm o direito de publicar materiais obtidos por vias ilegais, e que a publicação desses materiais fortalece a democracia.
Deltan Dallagnol, nominalmente o coordenador da força-tarefa, era com frequência o maior entusiasta dessas garantias. O apreço de Deltan pela liberdade de imprensa se deve, possivelmente, ao fato de que a Lava Jato se valeu, por anos, de vazamentos de trechos de delações premiadas e outros materiais confidenciais contidos nos autos das investigações como ferramenta de pressão contra políticos e empresários alvos da força-tarefa.
Vejam essa conversa revelada agora pelo TIB: em novembro de 2015, num chat chamado PF-MPF Lava Jato 2, enquanto discutiam medidas para coibir vazamentos de informações da força-tarefa (“alguns vazamentos tem sido muito prejudiciais”), Deltan alertou seus colegas que utilizar o poder processual para investigar jornalistas que tenham publicado material vazado não seria apenas difícil mas "praticamente impossível", porque "jornalista que vaza não comete crime".
Deltan estava certo. A decisão judicial da 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região diz claramente: “o jornalista que divulga trechos de investigação policial que corre em sigilo não comete nenhum crime.” A decisão diz ainda que "Não se trata, por certo, de pretender punir a pena e a boca que, no exercício de nobre profissão, revelam, mas a mão de quem, detentor de dever de preservação do sigilo de informações, a usa para reduzir a nada a autoridade da decisão judicial e as garantias constitucionais." Ou seja: cometem crime os funcionários públicos que vazam informações que deveriam eles mesmos proteger – policiais, procuradores, juízes... – e não os jornalistas que as publicam.
Há cerca de um ano, em maio de 2018, Deltan e seu time redigiram e publicaram um
manifesto em defesa das virtudes da liberdade de expressão – elaborado para proteger um dos procuradores. Ele estava sendo ameaçado de punição por ter publicado um artigo com duras críticas à Justiça Eleitoral. Os procuradores criaram um grupo de chat no Telegram – até agora inédito – chamado Liberdade de expressão CF. Durante a redação do manifesto, Deltan ressaltou um ponto crucial para eles à época, e que é central ao trabalho jornalístico que nós estamos realizando sobre as condutas da força-tarefa e de Moro:
17:15:22 Deltan: “Autoridades Públicas estão sujeitas a críticas e tem uma esfera de privacidade menor do que o cidadão que não é pessoa pública.”
O argumento de Deltan é precisamente correto – ainda que para o procurador ele deixe de valer quando a autoridade pública em questão é ele próprio. Curiosamente,
o ministro do STF Luiz Fux discorda do Deltan de hoje.
Fux já se pronunciou sobre isso no próprio Supremo: “Esta Corte entendeu que o cidadão que decide ingressar no serviço público adere ao regime jurídico próprio da Administração Púbica, que prevê a publicidade de
todas as informações de interesse da coletividade, dentre elas o valor pago a título de remuneração aos seus servidores. Desse modo, não há falar em violação ao direito líquido e certo do servidor de ter asseguradas a intimidade e a privacidade.
In Fux We Trust.”
Cidadãos privados têm direito à privacidade absoluta. Mas aquelas pessoas que detém o poder – como juizes, procuradores e ministros – “estão sujeitas a críticas e tem uma esfera de privacidade menor.” Esse é um princípio no qual acreditamos enfaticamente e que vem norteando nossa reportagem desde que começamos a trabalhar nesse arquivo.
Deltan ofereceu argumento similar em 2016, quando defendeu a decisão de Moro de tornar públicas gravações telefônicas do ex-presidente Lula. Em defesa do então juiz, Deltan argumentou corretamente que o direito à privacidade das autoridades não se sobrepõe ao interesse do público de saber o que aqueles que detém o poder fazem e dizem em situações privadas – isso que ele estava defendendo um juiz que divulgou um grampo ilegal, algo muito mais sério do que a atitude de whistleblowers.
Outros membros da força-tarefa, antes da publicação das reportagens pelo Intercept, compartilhavam do entusiasmo de Deltan pelo vazamento de documentos governamentais secretos que expõem o comportamento das autoridades. Os procuradores expressaram também sua admiração pelos whistleblowers, como Daniel Ellsberg e Edward Snowden, que tornam públicos documentos secretos comprovando irregularidades ou corrupção por parte das autoridades.
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