29 agosto 2019

Ideias opostas de soberania nacional estão em jogo na Amazônia


Ex-chanceler Celso Amorim participará do Seminário em Defesa da Soberania Nacional e Popular, em Brasília (DF), na próxima semana

Queimadas na Amazônia levaram governo Bolsonaro a assumir 
retórica supostamente nacionalista / Foto: L. Parmitano/ESA/NASA


Para o ex-chanceler brasileiro Celso Amorim (2003-2011), a tensão diplomática entre o governo de Jair Bolsonaro (PSL) e o do francês Emmanuel Macron em torno das queimadas na Amazônia é mais um indicativo da guinada imposta ao Itamaraty. Ao Brasil de Fato, Amorim afirma que o caso revela duas concepções de soberania, uma que representa interesses nacionais e outra a serviço de nações imperialistas.
“A nossa concepção de soberania é defesa dos recursos naturais, da nossa capacidade de desenvolvimento autônomo, uma política externa que sempre busque o interesse nacional, explorando inclusive a multipolaridade; ao invés de ser um país totalmente alinhado a uma potência, qualquer que ela seja”, analisa.
Como parte da discussão e ação sobre o tema, Amorim participará do Seminário em Defesa da Soberania Nacional e Popular, atividade organizada pelas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo. O evento será no próximo dia 4 de setembro, em Brasília (DF), e já conta com as confirmações da ex-presidenta Dilma Rousseff, o ex-senador Roberto Requião, os ex-candidatos à Presidência Fernando Haddad e Guilherme Boulos; além de Makota Celinha, do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira, e de Anita Wright, do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, entre outros.
Segundo o diplomata aposentado, Bolsonaro e o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, replicam no nível internacional sua concepção doméstica, a de que “dentro da minha casa eu posso tudo, e na rua eu posso andar armado”. 
“A concepção deles de soberania é uma imitação da de [Donald] Trump, que é a ideia de que não é preciso seguir as normas internacionais. No caso do clima, especificamente, nós temos que reconhecer que é um problema global, [mas] a responsabilidade é nacional”, diz. 
Celso Amorim reconhece que o mandatário da França, Emmanuel Macron, não é movido apenas por interesses ambientais: há preocupações com a integridade territorial da Guiana Francesa – um protetorado francês em território sul-americano. E o caos ambiental no Brasil também serve como instrumento para colocar o acordo da União Europeia com o Mercosul sob contestação, para agrado dos agricultores franceses, que temem os possíveis efeitos da aliança comercial. 
Por outro lado, o ex-chanceler ressalta que a França não tem condições de empreender uma intervenção direta na Amazônia e completa dizendo que a retórica nacionalista de Bolsonaro tem limites na prática, como pode ser visto em sua intenção de liberar a mineração na Amazônia para empresas estrangeiras, especialmente estadunidenses.  
Rita Serrano, coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, também irá participar do seminário sobre soberania popular, e segue pela mesma linha de Amorim, afirmando que o discurso de Bolsonaro representa muito mais um alinhamento aos EUA – e consequente contraposição à União Europeia – do que um posicionamento efetivamente pró-soberania. 
“Tudo aquilo que é público – universidades, sistema de saúde, as empresas estatais, a própria Amazônia – está sob risco. Diante de todo o processo de desmantelamento do patrimônio público, temo que perguntar quem está ganhando. São as multinacionais”, sentencia. Ela cita o caso exemplar da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras que foi vendida para empresas estrangeiras, entre elas companhias estadunidenses. 
Na prática
Na balança entre autonomia nacional e compromissos internacionais, Celso Amorim defende que cabe a “nós” a resolução da questão da Amazônia, “dentro das regras” e com possível ajuda internacional: “Quem define o que fazer deve ser o Brasil”. Ele cita ainda o exemplo do Fundo Amazônia, que por meio de financiamento internacional implementava projetos selecionados pelo governo brasileiro. 
O deputado federal Edmilson Rodrigues (PSOL-PA), que também deve comparecer ao seminário, tem entendimento crítico em relação ao posicionamento francês, por entender que Macron ultrapassou a linha entre ajuda e tentativa de imposição, o que favoreceu o discurso de Bolsonaro, baseado em um “cinismo antinacional e antissoberano”.
“Macron, que deu uma contribuição ao povo brasileiro ao dizer que Bolsonaro é um criminoso ambiental e mentiroso, foi infeliz ao levantar a tese, que já havia sido levantada por [François] Mitterrand [que foi o presidente francês de 1981 até 1995], de que é possível pensar o território amazônico sob controle internacional. Aceitamos solidariedade nacional, não ingerência”, diz. 

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