A ESCRAVIDÃO
Se Deus é
quem deixa o mundo
Sob o peso que o oprime,
Se ele consente esse crime,
Que se chama a escravidão,
Para fazer homens livres,
Para arrancá-los do abismo,
Existe um patriotismo
Maior que a religião.
Se não
lhe importa o escravo
Que a seus pés queixas deponha,
Cobrindo assim de vergonha
A face dos anjos seus,
Em seu delírio inefável,
Praticando a caridade,
Nesta hora a mocidade
Corrige o erro de Deus!
(Tobias
Barreto)
"Tobias Barreto de
Meneses nasceu na vila sergipana de Campos, a 7 de junho de 1839, sendo filho
de Pedro Barreto de Meneses, escrivão de órfãos e ausentas da localidade. É o
patrono da Cadeira nº 38 da Academia Brasileira de Letras. Aprendeu as
primeiras letras com o professor Manuel Joaquim de Oliveira Campos. Estudou
latim com o padre Domingos Quirino, dedicando-se com tal aproveitamento que, em
breve, iria ensinar a matéria em Itabaiana. Em 1861 seguiu para a Bahia com a
intenção de freqüentar um seminário mas, sem vocação firme, desistiu de
imediato. Sem ter prestado exames preparatórios voltou à sua vila donde sairá
com destino a Pernambuco. Em 1854 e 1865 o jovem Tobias, para sobreviver, deu
aulas particulares de diversas matérias. Na ocasião prestou concurso para a
cadeira de latim no Ginásio Pernambucano, sem conseguir, contudo, a desejada
nomeação. Em 1867 disputou a vaga de Filosofia no referido estabelecimento.
Venceu o prélio em primeiro lugar, mas é preterido mais uma vez por outro
candidato. Para ocupar o tempo entrega-se com afinco à leitura dos
evolucionistas estrangeiros, sobretudo o alemão Ernest Haeckel que se tornaria
um dos mais famosos cientistas da época com seus livros Os Enigmas do
Universo e As Maravilhas da Vida. No campo das produções
poéticas passou Tobias a competir com o poeta baiano Antônio de Castro Alves, a
quem superava, contudo, no lastro cultural. O fato de ser mestiço
prejudicou-lhe a vida amorosa numa época cheia de preconceitos, conforme
testemunho de Sílvio Romero. Na oratória Tobias se revelava um mestre, qualquer
que fosse o tema escolhido para debate. O estudo da Filosofia empolgava o
sergipano que nos jornais universitários publicou Tomás de Aquino,Teologia
e Teodicéia não são ciências, Jules Simon, etc. Ainda antes de
concluir o curso de Direito casou-se com a filha de um coronel do interior,
proprietário de engenhos no município de Escada. Eleito para a Assembléia
Provincial não conseguiu progredir na política local. Dedicou vários anos a
aprofundar-se no estudo do alemão, para poder ler no original alguns dos
ensaístas germânicos, à frente deles Ernest Haeckel e Ludwig Büchner”. Conta
Hermes Lima, em sua magnífica biografia de Tobias, que ele “para irritar o
burguês, com uma nota mais ostensiva de superioridade, abria freqüentemente seu
luminoso leque de pavão: o germanismo”. Foi em alemão que Tobias redigiu oDeutscher
Kampfer (O lutador alemão). Mais tarde sairiam de sua pena os Estudos
Alemães. A residência em Escada durou cerca de dez anos. Ao voltar ao
Recife, aos escassos proventos que recebia juntaram-se os problemas de saúde
que acabaram por impedí-lo de sair de casa. Tentou uma viagem à Europa para
restabelecer-se fisicamente. Faltavam-lhe os recursos financeiros para isso. Em
Recife abriram-se subscrições para ajudá-lo a custear-lhe as despesas. Em 1889
estava praticamente desesperado. Uma semana antes de morrer enviou uma carta a
Sílvio Romero solicitando, angustiosamente, que lhe enviasse o dinheiro das
contribuições que haviam sido feitas até 19 de junho daquele ano. Sete dias
mais tarde falecia, hospedado na casa de um amigo. A obra de Tobias é de
significativo valor, levando em conta que o professor sergipano não chegou a
conhecer a capital do Império. Suas Obras Completas, editadas pelo
Instituto Nacional do Livro, incluem os seguintes títulos:Ensaios e Estudos
de Filosofia e Crítica, 1875. Brasilien, wie es ist,
1876. Ensaio de pré-história da literatura alemã. Filosofia
e Crítica. Estudos Alemães, 1879. Dias e Noites,
1881. Polêmicas, 1901. Discursos, 1887. Menores
e Loucos, 1884. Hermes Lima, ao comentar o refúgio de Tobias Barreto em
Escada, esclareceu: “Em Escada, além de publicar o Fundamento do
Direito de Punir, erige o germanismo em caminho de cultura. É onde
aprofunda seu Haeckel, onde elabora sua posição filosófica, onde traça as
coordenadas da revolução espiritual que viria a deflagrar-se no país”.