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23 setembro 2021

Ministro Luís Roberto Barroso defende liberdade de imprensa em encontro na ABI

"O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, participou de um encontro virtual com jornalistas da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Ele falou sobre a segurança do sistema eletrônico de votação e ressaltou a importância da imprensa livre na defesa da democracia"
  

01 junho 2021

Liberdade de imprensa: uma foto e seu papel na história

Ao fundo, da esquerda para a direita: Moreira Mariz, Antônio Dorgivan, Adão Nascimento, Cláudio Alves, Sérgio Marques, Julio Fernandes Francisco Gualberto, Sérgio Borges, Beth Cruz, Élder Miranda e Vicente Fonseca, o Gaúcho. Em primeiro plano: presidente João Figueiredo e Leitão de Abreu, ministro-chefe do Gabinete Civil. Foto: J. França

Há 37 anos, a rampa do Palácio do Planalto, em Brasília, foi o palco de um dos mais singulares gestos em prol da liberdade de imprensa no país: o protesto dos fotojornalistas credenciados na Presidência da República contra restrições ao trabalho da cobertura diária, em especial das audiências no gabinete do então presidente, o general João Baptista Figueiredo. Na tarde do dia 24 de janeiro, quando o militar desceu a rampa do palácio, encontrou os fotógrafos de braços cruzados e suas câmeras no chão.

A manifestação foi registrada por J. França, um dos profissionais com credencial no palácio, de modo que a imagem daquele momento pudesse ser levada ao conhecimento do público, como de fato foi, ao ser estampada nas páginas e telas de vários veículos de comunicação.

Uma das testemunhas desse que terá sido o único protesto de fotógrafos no Brasil contra um presidente, pelo menos de tal magnitude e ambientado na Capital da República, foi outro fotojornalista, André Dusek, mais tarde um dos realizadores do documentário A Culpa é da Foto. Presidente da União dos Fotógrafos de Brasília e não credenciado na Presidência, Dusek solidarizou-se com o protesto e, por essa razão, não o registrou. Três décadas depois, juntou-se aos também fotógrafos Eraldo Peres e Joédson Alves na condução do filme que resgataria o episódio e o levaria ao público em 2015.

Conforme relatam no documentário aquelas testemunhas oculares da história, as relações entre Figueiredo e a imprensa, principalmente os fotógrafos, não iam nada bem na reta final do regime militar, que completaria 20 anos em março seguinte. Entre proibições e brechas que eram aproveitadas, como a de uma sessão de cinema à qual Figueiredo compareceu de gesso no braço, o balanço era negativo para os fotojornalistas, que chegaram mesmo a temer por seus postos de trabalho, uma vez que a Presidência escalara um fotógrafo contratado pelo governo para suprir as redações com imagens das audiências rotineiras.

A gota d’água para o estremecimento deu-se quando o então deputado federal Paulo Maluf (PDS) — que viria a ser um ano depois, e contra a vontade de Figueiredo, o candidato do governo na eleição indireta para presidente — provocou o general durante uma audiência que fotógrafos e cinegrafistas surpreendentemente puderam cobrir.

“Sorria, presidente”, disse Maluf a um mal-humorado Figueiredo, quando percebeu a presença dos profissionais da imagem. O presidente, que preferia o coronel reformado e ex-ministro Mario Andreazza como candidato do PDS, respondeu de forma ríspida: “Estou na minha casa e fico como eu quero”. Os fotógrafos então passaram o teor da conversa aos repórteres credenciados no palácio e às redações. O diálogo foi publicado, gerando grande irritação em Figueiredo, de modo que este barrou de uma vez a cobertura das audiências.  A volta dos fotógrafos ao gabinete presidencial só foi possível depois de Figueiredo digerir, com dificuldades, a manifestação na rampa.

— A gente não engolia sapo. A gente reagia — relembra Moreira Mariz, atualmente na equipe de fotojornalistas da Agência Senado, mas então na Folha de S.Paulo e um dos participantes do protesto.

De acordo com ele, os fotojornalistas, de forma democrática, atuaram em defesa da democracia contra um ato autoritário.

— O presidente teve que voltar atrás. Até porque não foi só uma vez que deixamos as câmeras no chão, mas três vezes — relembra.

Segundo conta no filme o então cinegrafista da Rede Globo Elder Miranda, o presidente chegou a mandar um recado aos jornalistas: passaria chutando as máquinas.

A única mulher no grupo, Beth Cruz, à época na Agil Fotojornalismo, explica no documentário a reação de Figueiredo, que ficou “de boca aberta” ante a cena, pela ousadia de um ato em plena ditadura militar, na época do “prendo e arrebento”, frase célebre do general. Ela entende, porém, que o gesto deixou “um legado”: o de que é possível se colocar mesmo em contextos de muita restrição. E mostrou o quanto a imprensa é necessária à pluralidade de visões, o que não pode se dar quando o que o público recebe é só a versão oficial dos fatos.

Para Mariz, os fotógrafos tiveram um papel histórico na ampliação da liberdade de imprensa, já que estavam na linha de frente e pegavam “a barra mais pesada”. Em seu depoimento ao filme, Dusek chama a atenção para o fato de que os militares descobriram nos fotojornalistas algo que eles não imaginavam como parte de suas vidas profissionais: ouvidos e boca.

— O papel da imprensa é o de atuar como janelas para a evolução da sociedade — diz Eraldo Péres, fotógrafo da Associated Press (AP) com 40 anos de profissão e coautor de A Culpa é da Foto.

Ele lamenta a onda atual de desprezo pelo jornalismo profissional e a produção e difusão avassaladoras de notícias falsas, além da atuação de pessoas na internet sem compromisso com a apuração e a checagem dos fatos.

— Há políticos que negam a política e hostilizam a imprensa para criar outro tipo de informação, que não é necessariamente correta. Jornalistas não detêm a verdade, mas buscam a verdade como elemento para que a sociedade possa fazer seus julgamentos. No entanto, estamos sendo hostilizados e trabalhamos com medo de agressões — alerta Péres.

Particularmente no que se refere à cobertura da Presidência da República, o fotógrafo diz estar desapontado em razão de um fechamento que se pensava superado depois da redemocratização e que retornou, embora em outros contornos.

— O documentário está muito atual. Não podemos nos movimentar no palácio, há pouquíssimas situações, em geral cerimônias, que podemos registrar, e não há nenhuma interlocução conosco. Em frente ao Palácio da Alvorada, pessoas nos abordam, examinam nossos crachás e nos perguntam se somos “da imprensa lixo”. Falta um posicionamento das autoridades em relação a isso. Infelizmente o presidente também xinga a imprensa.

Assim como Mariz, Péres vê o fotógrafo como “ponta de lança” do jornalismo em qualquer área de cobertura.

— Somos nós que estamos perto das bombas quando elas explodem— assinala o repórter fotográfico da AP.

Na política ele cita, entre as fotos que contribuíram decisivamente para informar e advertir a sociedade sobre os riscos do autoritarismo, a imagem captada por Evandro Teixeira na chamada Sexta-Feira Sangrenta (22 de junho de 1968) no Rio de Janeiro: perseguido e agredido violentamente pela polícia durante protesto no centro da cidade, um estudante paira no ar. Em seguida irá bater a cabeça no meio-fio, conforme o testemunho do fotógrafo, que teve de fugir para não ser ele próprio mais uma vítima da repressão. Nada se sabe sobre o destino do estudante ao final daquela jornada, na qual morreram 28 pessoas. Em dezembro do ano passado, essa foto foi transformada em memes por apoiadores de Jair Bolsonaro. Num deles, a figura do presidente, retirada do contexto original, um jogo de futebol, é quem derruba o estudante.

Mesmo em outras situações, em que não há um confronto explícito de poder, os olhos do fotojornalista podem revelar ao mundo realidades incômodas, como foi o caso da foto de um menino do Sudão acossado por abutres em 1993. Tirada por Kevin Carter, fotojornalista sul-africano, que depois de fazer a imagem espantou o abutre, foi publicada pelo New York Times e ganhou o Prêmio Pulitzer, tendo contribuído para conscientizar o mundo sobre os males da guerra e do colonialismo na África.

Ao fotojornalismo também é dado o crédito para a repercussão ruim dos danos trazidos à população vietnamita pelos bombardeios norte-americanos, mas não só a ela, também às próprias tropas dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã e outras depois do trágico conflito no sudeste asiático.


Documentário

A Culpa é da Foto estreou em setembro de 2015, ao ser exibido no 48º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Recebeu o prêmio de melhor curta-metragem pelo júri oficial com o Troféu Brasília. Em 2016, ficou entre os nove documentários indicados para a Academia de Hollywood durante o 21º Festival Internacional de Documentários, no qual concorreram 1.700 filmes. Em seguida, recebeu o troféu Cinememória de melhor documentário durante o 5º Curta Brasília — Festival Internacional de Curta-Metragem.

A obra é uma realização da Photo Agência, em parceria com a HC Lara Produções e Line Pine Pictures. Teve produção original de Eraldo Péres, história e direção de conteúdo de André Dusek, direção de fotografia de Joédson Alves e trilha sonora original de Eduardo Dusek.


Câmeras no chão. Todos os fotógrafos e cinegrafistas que cobriam o Palácio do Planalto fizeram este gesto de rebeldia diante do presidente da república, Joāo Baptista Figueiredo, quando ele descia a rampa do Palácio 24 de janeiro, numa terça-feira de 1984. Um único fotógrafo com a câmera no rosto, José de Maria França, do outro lado da rampa fez a foto. Ele foi o escolhido por seus colegas manifestantes para registrar esta cena para a história. Postado na Agência Senado