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17 fevereiro 2020

Comportamento: “Desculpe, senhor, não podemos aceitar seu sangue”

"Enquanto a doação de sangue for vetada aos gays, seremos cidadãos de segunda classe na sociedade"


“Desculpe, senhor, não podemos aceitar seu sangue”. Foi o que me disse a 
funcionária do Hemorio, nitidamente constrangida. A afirmação veio depois que ela correu os olhos na ficha de triagem de doadores e constatou a minha declaração de ser casado com um homem. “Homens que fazem sexo com outros homens não podem doar sangue, me desculpe”, afirmou.

O que me levou ao Hemorio naquela manhã foi uma entrevista com Luiz Amorim, diretor-geral da instituição. Gentilmente, ele se dispôs a me receber e responder algumas perguntas para o projeto de uma série de TV. Me organizei para chegar meia hora antes e fazer uma boa ação: um homem saudável como eu deve poder doar um caminhão pipa de sangue, pensei. Tolinho. No Brasil de 2020, fazer sexo com outro homem não é sinal de saúde. Ao contrário, é entendido como “situação de risco” – atualização politicamente correta para “grupo de risco”.

Amorim é daqueles funcionários públicos que dão gosto de ver (e conversar). Gentil, atencioso, culto e responsável por um trabalho essencial à frente do principal centro 
de coleta de sangue do Estado do Rio, esse esqueleto de dromedário que luta para 
ficar de pé. Mas Amorim deu o azar de conversarmos logo depois que tive a doação vetada. 
Eu estava p@#$%&*! Olha que eu já fui barrado em muitas situações, mas tentando fazer o bem a um desconhecido foi a primeira vez.

Pacientemente, o diretor do Hemorio me explicou que há uma janela de alguns dias para que doenças possam ser detectadas no exame de sangue (15 dias para o HIV e 
30 dias para hepatites B e C). Ou seja: se eu transei sem proteção com alguém contaminado anteontem, o vírus ainda não poderia ser identificado. Mas será que só 
os homens gays tem o tal “comportamento de risco”? O que dizer dos engravatados 
de aliança no dedo nos whisky bars da Rua Buenos Aires com meninas no colo da idade das suas filhas? Eles estão perdoados porque chegam em casa a tempo de 
jantar com a esposa? Segundo a ONU, 696 mil mulheres são infectadas pelo HIV por maridos ou namorados, todos os anos, no mundo.

Postado originalmente no Vejario.Abril